Acidentes Ofídicos: problema de saúde pública
- claurepires
- 18 de mar.
- 4 min de leitura

Introdução
Os acidentes ofídicos são eventos potencialmente graves que resultam da interação entre humanos e serpentes peçonhentas. No Brasil, eles representam um problema significativo de saúde pública, principalmente em áreas rurais. Este capítulo aborda as características das serpentes peçonhentas, a epidemiologia dos acidentes, os quadros clínicos típicos, o diagnóstico, o tratamento e as complicações associadas. O objetivo é fornecer uma base sólida de conhecimento para o manejo eficaz dessa condição.
Epidemiologia dos Acidentes Ofídicos no Brasil
Os acidentes ofídicos são os mais prevalentes entre os acidentes com animais peçonhentos no Brasil, seguidos por escorpiões, aranhas e lagartas. As serpentes peçonhentas de maior relevância epidemiológica pertencem aos gêneros Bothrops (jararacas), Crotalus (cascavel), Lachesis (surucucu) e Micrurus (coral verdadeira). A incidência desses acidentes é particularmente elevada em áreas rurais, onde as interações entre humanos e serpentes são mais frequentes.
Características de Serpentes Peçonhentas
Identificar serpentes peçonhentas é crucial para o diagnóstico correto e tratamento adequado. As características comuns incluem:
- Fosseta Loreal: Estrutura sensorial localizada entre o olho e a narina, típica das jararacas e cascavéis.
- Presas Inoculadoras de Peçonha: Longas, retráteis e sulcadas, usadas para inoculação da peçonha.
- Cabeça Triangular: Marcadamente diferenciada do pescoço.
- Pupilas Verticais: Semelhantes às de felinos, presentes em serpentes como jararacas e cascavéis.
Gêneros de Serpentes de Maior Relevância Epidemiológica
Os gêneros de serpentes de maior relevância no Brasil são:
- Bothrops (jararacas): Maior incidência de acidentes ofídicos.
- Crotalus (cascavel): Causa acidentes com elevado potencial de gravidade.
- Lachesis (surucucu): Associada a acidentes graves, mas menos frequentes.
- Micrurus (coral verdadeira): Causa envenenamento neurotóxico grave, embora menos comum.
Acidentes Botrópicos
Ação da Peçonha
A peçonha das jararacas possui múltiplos efeitos, incluindo:
- Ação Proteolítica: Degrada proteínas, causando necrose tecidual.
- Ação Coagulante: Ativa a coagulação, levando à coagulopatia.
- Ação Hemorrágica: Danifica vasos sanguíneos, provocando sangramentos.
- Ação Miotóxica: Causa destruição muscular, resultando em mialgia e fraqueza.
Quadro Clínico
O quadro clínico típico inclui:
- Dor Intensa: No local da picada, irradiando para regiões próximas.
- Edema: Inchaço local que pode se estender para membros adjacentes.
- Equimose e Bolhas: Manchas roxas e formação de bolhas na pele.
- Necrose: Destruição dos tecidos, especialmente nos casos graves.
- Coagulopatia: Sangramentos espontâneos, alterações laboratoriais nos testes de coagulação.
Gravidade e Complicações
A gravidade é determinada pela extensão do edema, presença de sangramento e sinais de comprometimento sistêmico. Complicações incluem:
- Insuficiência Renal Aguda: Devido à mioglobinúria e choque.
- Choque Hipovolêmico: Por perda de volume sanguíneo.
- Hemorragias Graves: Em decorrência da coagulopatia.
Diagnóstico e Tratamento
O diagnóstico é baseado em exame clínico e laboratorial, incluindo hemograma, coagulograma, e testes de função renal e hepática. O tratamento envolve:
- Soroterapia Específica: Soro antiveneno botrópico, administrado conforme a gravidade.
- Suporte Clínico: Hidratação, manejo da dor e tratamento de complicações.
Acidentes Crotálicos
Ação da Peçonha
A peçonha da cascavel é neurotóxica, miotóxica e coagulante, com efeitos como:
- Neurotoxicidade: Paralisia muscular progressiva, podendo levar à insuficiência respiratória.
- Mioglobinúria: Lesão muscular causando liberação de mioglobina e potencial dano renal.
Quadro Clínico
Manifestações clínicas incluem:
- Paralisia Muscular: Inicia com ptose palpebral e pode evoluir para paralisia respiratória.
- Insuficiência Renal Aguda: Decorrente de mioglobinúria.
- Alterações Hematológicas: Coagulopatia e alterações no perfil de coagulação.
Diagnóstico e Tratamento
O diagnóstico é feito com base no exame clínico e exames laboratoriais específicos. O tratamento inclui:
- Soroterapia Específica: Soro anticrotálico.
- Monitoramento Neurológico: Para detectar e tratar precocemente sinais de insuficiência respiratória.
- Hidratação Agressiva: Para prevenir e tratar a insuficiência renal.
Acidentes Laquéticos
Ação da Peçonha
A peçonha da surucucu tem efeitos proteolíticos e hemorrágicos, causando:
- Edema Severo: Extenso inchaço no local da picada.
- Necrose e Hemorragia Intensa: Devido à ação proteolítica e ao dano vascular.
Quadro Clínico e Tratamento
O quadro clínico inclui dor intensa, necrose e manifestações hemorrágicas. O tratamento é feito com:
- Soroterapia Específica: Soro antilaquético.
- Suporte Clínico: Incluindo manejo de complicações como insuficiência renal e choque.
Acidentes Elapídicos
Ação Neurotóxica
A peçonha da coral verdadeira é altamente neurotóxica, causando:
- Paralisia Flácida: Iniciando com ptose palpebral, evoluindo para paralisia respiratória.
Quadro Clínico e Tratamento
Manifestações clínicas incluem dificuldade respiratória e fraqueza muscular generalizada. O tratamento consiste em:
- Soroterapia Específica: Soro antielapídico.
- Suporte Ventilatório: Necessário em casos de paralisia respiratória.
Abordagem Inicial ao Paciente
A abordagem inicial inclui:
- Imobilização do Membro Atingido: Para reduzir a disseminação da peçonha.
- Avaliação Clínica e Laboratorial Rigorosa: Para identificar sinais de gravidade e orientar o tratamento.
Manejo de Complicações
Insuficiência Renal
Tratamento com diálise quando necessário, especialmente em casos de mioglobinúria.
Distúrbios Hemorrágicos e Choque
Reposição de fluidos e componentes sanguíneos, além do manejo das complicações sistêmicas.
Pontos Importantes
- Identificação Correta: Serpentes peçonhentas apresentam fosseta loreal, presas inoculadoras, cabeça triangular e pupilas verticais.
- Soroterapia Específica: Fundamental e deve ser iniciada o mais rápido possível.
- Monitoramento Clínico: Essencial para detectar complicações e ajustar o tratamento.
- Prevenção de Complicações: Hidratação agressiva e monitoramento da função renal e respiratória são cruciais.
- Abordagem Multidisciplinar: Incluindo suporte clínico, laboratorial e em casos graves, terapia intensiva.
Referências
- Ministério da Saúde, Brasil. "Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes Ofídicos." 2023.
- Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. "Guia Prático de Acidentes Ofídicos." 2022.
- Diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre Envenenamento por Serpentes, 2023.