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Desafio Clínico: Fumante de 46 anos com sangramento retal e dor pélvica


Um homem de 46 anos procura atendimento com queixa de sangramento retal há uma semana. O sangramento é moderado e acompanhado de muco. O paciente também tem queixa de dor pélvica, que aumenta ao defecar, e constipação com distensão abdominal.

Há um ano, o paciente percebeu uma pigmentação amarelada no olho. A tomografia computadorizada de abdome mostrou as lesões ilustradas na Figura 1. O diagnóstico foi de colangite esclerosante primária, e o ácido ursodesoxicólico foi adicionado a seu esquema medicamentoso.



 A tomografia computadorizada mostra dilatação da árvore biliar extra-hepática, sugestiva de colangite esclerosante.

Figura 1. A tomografia computadorizada mostra dilatação da árvore biliar extra-hepática, sugestiva de colangite esclerosante.

 

Há quinze anos, o paciente recebeu o diagnóstico de colite ulcerativa, acometendo apenas a região retossigmoide. A doença foi controlada nos últimos cinco anos com infusões regulares de infliximabe a cada três meses, como tratamento de manutenção. Antes do início do infliximabe, o paciente experimentou diversos medicamentos orais, como a azatioprina e o ácido 5 aminossalicílico (5-AAS); entretanto, teve apenas resposta parcial até iniciar o inibidor do fator de necrose tumoral α.


Atualmente só está em uso do infliximabe. Nos últimos dois anos, ignorou as recomendações de fazer colonoscopia de acompanhamento, afirmando que está bem e não considera necessário.


Ele foi um fumante assíduo dos 20 aos 30 e poucos anos (um maço por dia), mas reduziu o hábito para cinco cigarros diários após ter sido diagnosticado com colite ulcerosa. Ele notou que fumar melhorava seus sintomas, então continuou fumando, apesar das advertências dos médicos.


Exame físico e propedêutica


Sinais vitais: pressão arterial 140 ˣ 90 mmHg; frequência cardíaca regular com 90 batimentos por minuto; temperatura: 37,0 °C. O exame abdominal revela sensibilidade moderada e rigidez nas fossas ilíacas direita e esquerda. Não foi observada hepato ou esplenomegalia. Os linfonodos não apresentam alterações.


Os exames laboratoriais revelam:


  • Hemoglobina: 9 g/dL (referência de 14 a 18 g/dL, para os homens)

  • Leucometria: 18.000 células/mm3 (referência de 4.500 a 11.000 células/mm3)

  • Plaquetometria: 120.000 plaquetas/mm3 (referência de 150.000 a 450.000 plaquetas/mm3)

  • Velocidade de hemossedimentação 100 mm/h (referência de 0 a 20 mm/h para os homens)

  • Antígeno carcinoembrionário: 60 ng/mL (referência de 0,0 a 2,5 ng/mL)

  • α-fetoproteína: 20 ng/mL (referência de 0,0 a 40 ng/mL)

  • Creatinina: 1,1 mg/dL (referência de 0,7 a 1,3 mg/dL, para os homens)

  • Nitrogênio ureico: 20 mg/dL (referência de 6 a 24 mg/dL)

  • Aminotransferase alanina: 24 U/L (referência de 7 a 40 U/L)

  • Aminotransferase aspartato: 28 U/L (referência de 8 a 33 U/L)

  • Bilirrubina total: 4 mg/dL (referência de 0,1 a 1,2 mg/dL)

  • Bilirrubina direta: 3 mg/dL (referência < 0,3 mg/dL)

  • γ glutamil transferase: 300 U/L (referência de 5 a 40 U/L)

  • Fosfatase alcalina: 300 UI/L (referência de 44 a 147 UI/L)

  • Calprotectina fecal: 400 µg/mg (referência < 200 µg/mg)

  • Proteína C reativa (PCR): 50 mg/dL (referência < 1 mg/dL)


A tomografia computadorizada do abdome revela dilatação dos ductos extrabiliares, sugestiva de colangite esclerosante primária. Os achados são semelhantes aos da tomografia computadorizada feita um ano antes (ver Figura 1).


A ultrassonografia revela uma estrutura semelhante a um rim cicatrizado na fossa ilíaca esquerda, apesar da existência de dois rins normais na região lombar direita e esquerda (Figuras 2, 3, 4 e 5). Não é observado nenhum amálgama de delgado.


Figura 2. A ultrassonografia revela uma estrutura pseudorrenal na fossa ilíaca esquerda com um padrão renal cirroso, característica semelhante ao câncer de cólon.

 

Figura 3. A ultrassonografia revela uma estrutura pseudorrenal na fossa ilíaca esquerda com um padrão renal cirroso, característica semelhante ao câncer de cólon.

 

Figura 4. A ultrassonografia revela uma estrutura pseudorrenal na fossa ilíaca esquerda com um padrão renal cirroso, característica semelhante ao câncer de cólon.

 

Figura 5. A alta absorção do Doppler pela estrutura do pseudorrim sugere uma doença inflamatória de base.



Apenas por esses dados, qual é o diagnóstico mais provável?

  • 0%Falha do tratamento

  • 0%Recidiva

  • 0%Câncer de cólon

  • 0%Reação autoimunitária farmacológica

You can vote for more than one answer.




Seus pares escolheram:

  • 0%Falha do tratamento...................................... 1%

  • 0%Recidiva................................................. 9%

  • 0%Câncer de cólon......................................... 79%

  • 0%Reação autoimunitária farmacológica........ 6%


Discussão


Neste caso, a colite ulcerativa respondeu ao tratamento imunobiológico com infliximabe, um inibidor α do ácido 5 aminossalicílico. O curso da doença foi complicado pela transformação do câncer sobreposta à colite ulcerativa, apesar do controle medicamentoso.

A colite ulcerativa é uma doença autoimunitária que causa um estado inflamatório crônico, aumentando o estresse oxidativo e, consequentemente, alterando o DNA. Esse processo inibe os genes supressores tumorais e ativa os genes que promovem o tumor, resultando em displasia celular e câncer. [1] O risco de câncer de cólon aumenta cerca de 3% após 15 anos, e 21% dos pacientes apresentam lesões tumorais 10 anos após o diagnóstico da colite ulcerativa. Além disso, a colangite esclerosante primária associada aumenta o risco de câncer de cólon em 9% após uma década, chegando a 50% após 25 anos. Em suma, a colangite esclerosante primária aumenta 4,8 vezes o risco de câncer de cólon em pacientes com colite ulcerativa. [2]


Este paciente apresentava colangite esclerosante primária há um ano, como mostra a tomografia computadorizada de abdome na Figura 1. Esse quadro é um fator de risco independente de câncer de cólon nos pacientes com colite ulcerativa. Quanto ao efeito protetor do tratamento com ácido ursodesoxicólico, há controvérsias.


Uma revisão da literatura mostrou que, de cinco estudos clínicos (três ensaios clínicos randomizados, um estudo prospectivo de coorte e um estudo retrospectivo), apenas um, feito com 52 pacientes com colangite esclerosante primária, demonstrou quimioproteção contra o câncer de cólon (10% tiveram câncer de cólon no grupo do ácido ursodesoxicólico versus 35% no grupo do placebo).


Os demais estudos clínicos não demonstraram quimioproteção em curto ou longo prazo. [3] O câncer colorretal associado à colangite esclerosante primária ocorre principalmente nos pacientes mais jovens com colangite esclerosante primária de maior duração, e é mais provável que apareça no cólon ascendente. [4]


A ultrassonografia pélvico-abdominal deste paciente revelou um pseudorrim na pelve esquerda, com aspecto cirroso na fossa ilíaca esquerda e grande vascularização mostrada pelo Doppler da lesão (ver Figuras 2 a 5). Estes achados são sugestivos de câncer de cólon. [5] Os dois rins na região lombar direita e esquerda do paciente são normais.


O sangramento de início recente em um paciente com um longo período de remissão clínica deve levantar a suspeita de câncer. Nos últimos dois anos, este paciente recusou a colonoscopia de acompanhamento, aumentando assim o risco de o câncer não ser detectado. Um estudo mostrou que a detecção foi precoce em 80% dos pacientes submetidos ao rastreamento, em comparação a apenas 41% dos não rastreados. [2] Assim, a maioria dos pacientes que não foi rastreada teve o câncer detectado numa fase mais tardia, quando já eram sintomáticos.


Neste caso, o aumento dos níveis da proteína C reativa do paciente, da leucometria e da calprotectina fecal pode ser explicado pela infecção do tecido canceroso. O hábito persistente de fumar é um importante fator de risco para a evolução do câncer, apesar do tratamento de manutenção. [2] Alguns pacientes observam melhora dos sintomas da colite ulcerativa com o tabagismo, mas esta observação é controversa. No Reino Unido, a Crohn's & Colite UK fornece orientações sobre o tabagismo passivo e ativo e o uso de cigarros eletrônicos pelos pacientes com doença inflamatória intestinal. [6]


Este paciente interrompeu todos os outros medicamentos e agora recebe apenas um inibidor α do ácido anti 5 aminossalicílico. O seu esquema de tratamento está alinhado com as atuais diretrizes da American Gastroenterological Association (AGA), que afirmam não haver maior risco de recidiva se o paciente receber ou não o ácido 5 aminossalicílico concomitante. [7]


Segundo as diretrizes, a eficácia do ácido 5 aminossalicílico na prevenção do câncer colorretal é controversa. Uma metanálise demonstrou que esse ácido diminui o risco de câncer, com uma razão de risco de 0,57 e um intervalo de confiança de 95% de 0,45 a 0,71. No entanto, um estudo recente de Hong Kong com 1.246 pacientes com colite ulcerativa não mostrou alteração do risco com o tratamento (p = 0,593). [8]


Além disso, 40% a 60% dos pacientes não aderem ao tratamento com o ácido 5 aminossalicílico, e isso pode diminuir o efeito protetor do medicamento. Também não está claro se a continuação do ácido 5 aminossalicílico após a remissão endoscópica tem algum efeito quimioprotetor no câncer.


No entanto, controlar a atividade da doença e alcançar uma remissão sustentada pode diminuir o risco de câncer colorretal, independentemente dos medicamentos utilizados. [8] Além disso, o consenso de Delfos afirma que controlar a proctite localizada diminui o risco de extensão da doença para outras partes do cólon e diminui o risco de câncer colorretal. [9]


Neste paciente, foi realizado um exame de ressonância magnética pélvica com contraste. Os resultados são apresentados nas Figuras 6, 7 e 8.


Figura 6. Exame de ressonância magnética da pelve revelando espessamento irregular retossigmoide na parede do cólon e do reto, com sinais inflamatórios e gânglios linfáticos sugestivos de câncer colorretal.

Figura 7. Exame de ressonância magnética da pelve revelando espessamento irregular retossigmoide na parede do cólon e do reto, com sinais inflamatórios e linfonodos sugestivos de câncer colorretal.

Figura 8. Exame de ressonância magnética da pelve revelando espessamento irregular retossigmoide na parede do cólon e do reto, com sinais inflamatórios e linfonodos sugestivos de câncer colorretal.


A ressonância magnética revelou um espessamento circunferencial difuso e uniforme de todo o comprimento do reto, com espessura máxima da parede de 13 mm e uma estratificação mural reservada à parte superior da junção retal/retossigmoide. O exame também mostrou uma área de espessamento da mucosa focal do câncer do cólon com 26 mm, atingindo ambas as paredes, especialmente a anterior. A borda inferior da lesão está a cerca de 13 cm da borda anal. As evidências de alterações inflamatórias perirretais acometendo a fáscia mesorretal são indicadas pelo estrangulamento gorduroso e pelas alterações edematosas. Há quatro linfonodos perirretais suspeitos; o maior mede 7 mm. O estadiamento radiológico é T3aN2M0.


A colonoscopia mostrou múltiplas lesões polipoides com hiperemia e irregularidade na parte retossigmoide do cólon descendente (Figura 9). As biópsias revelaram que as lesões eram adenocarcinoma, enquanto as biópsias ileocecais foram negativas para tuberculose. Assim, o paciente foi encaminhado para cirurgia, e o cólon retossigmoide esquerdo e o reto foram ressecados. Subsequentemente, o paciente iniciou a quimiorradioterapia.

Atualmente, o paciente apresenta bom estado de saúde e vem cumprindo seu calendário de quimiorradioterapia. Caso ocorra atividade da colite ulcerativa após o término da quimioterapia, será necessário incorporar imunossupressores adicionais ao tratamento imunobiológico, já que apenas a parte retossigmoide do cólon foi removida (só essa região tinha doença em atividade). É altamente recomendado um rigoroso programa de colonoscopia de acompanhamento para este paciente.


O diagnóstico diferencial inicial incluía falha no tratamento, recidiva, reação autoimunitária farmacológica e tuberculose. Dosar o infliximabe e os anticorpos ao medicamento poderia determinar se há diminuição da concentração ou resistência farmacológica como causa da perda de resposta após o tratamento de manutenção. [10] Neste caso, o paciente apresentava níveis normais do medicamento e ausência de anticorpos, resultados que descartam ineficácia da dose ou resistência farmacológica.


O tratamento com infliximabe é um fator de risco para a infecção intestinal pelo Mycobacterium tuberculosis. [11] O ensaio de liberação de interferon γ deste paciente foi negativo para a tuberculose. Nos pacientes com tuberculose intestinal, uma ecografia mostrará um amálgama das alças intestinais ou uma parede inflamada do delgado com linfonodomegalia. Neste paciente, a ultrassonografia revelou um pseudorrim, que é típico do câncer de cólon. Além disso, suas biópsias ileocecais foram negativas para a tuberculose, e ele não teve achados clínicos ou laboratoriais que sugerissem esse diagnóstico.


Qual afirmação sobre o risco de câncer colorretal em pacientes com colangite esclerosante primária é mais precisa?


  • O câncer colorretal têm mais probabilidade de ocorrer no cólon descendente


  • O câncer colorretal ocorre principalmente em pacientes mais velhos

    com colangite esclerosante primária


  • O câncer colorretal está associado a uma maior duração da colangite esclerosante primária


  • O câncer colorretal pode ser inteiramente prevenido com o ácido ursodesoxicólico




O que diminui o risco de câncer colorretal nos pacientes com colite ulcerativa?

  • 0%Tratamento imunobiológico

  • 0%Tratamento com ácido 5 aminossalicílico

  • 0%Indução de remissão, qualquer que seja o esquema de tratamen

  • 0%Remissão sustentada, seja qual for o esquema de tratamento


A colangite esclerosante primária de longa duração aumenta o risco de câncer colorretal. Nos pacientes com colite ulcerativa e colangite esclerosante primária, o câncer colorretal tende a ocorrer numa idade mais jovem do que naqueles com colite ulcerativa isolada, sendo mais provável que ocorra no cólon ascendente. O uso de ácido ursodesoxicólico para a prevenção do câncer colorretal em pacientes com colangite esclerosante primária é controverso. [4]


O uso do ácido 5 aminossalicílico para proteção contra o câncer colorretal é controverso. O tratamento imunobiológico ou um esquema específico sem remissão sustentada da doença não diminui o risco de câncer colorretal. A indução da remissão sem sua manutenção não tem efeito. [7]

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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