Discrasias Sanguíneas: riscos elevados de complicações
- claurepires
- 18 de mar.
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Introdução
Discrasias sanguíneas são condições que envolvem anormalidades na composição do sangue, incluindo distúrbios na formação, função ou quantidade de células sanguíneas e dos fatores de coagulação. Em ambientes de terapia intensiva, pacientes com discrasias sanguíneas apresentam riscos elevados de complicações, como trombose e sangramento, que necessitam de um manejo cuidadoso e individualizado. Este capítulo aborda as principais discrasias sanguíneas, como trombocitopenias, coagulopatias e síndromes microangiopáticas, com ênfase nos protocolos atualizados para diagnóstico, manejo e tratamento.
Risco de Trombose e Sangramento em Pacientes de UTI
Os pacientes admitidos na unidade de cuidados intensivos têm risco aumentado de trombose e sangramento devido a fatores específicos:
- Risco de Trombose: Cateter venoso central, procedimentos invasivos, ventilação mecânica, imobilização prolongada, alterações adquiridas da coagulação, uso de vasopressores (que reduzem a biodisponibilidade da profilaxia anticoagulante).
- Risco de Sangramento: Coagulopatias adquiridas, trombocitopenia, disfunção plaquetária, interações medicamentosas, cirurgias recentes, insuficiência renal e hepática .
Trombocitopenia em Pacientes Críticos
Trombocitopenia, definida como contagem de plaquetas <150.000/mm³, é comum em até 45% dos pacientes em UTI. As causas incluem:
- Sepse: 52%
- Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD): 25%
- Perda Sanguínea Maciça: 8%
- Trombocitopenia Induzida por Medicamentos: 10%
- Trombocitopenia Autoimune: 3%
- Trombocitopenia Induzida por Heparina (HIT): 1% .
Sangramento em Pacientes com Trombocitopenia
O risco de sangramento em pacientes com trombocitopenia depende da contagem de plaquetas e da condição clínica:
- Contagem <50.000/mm³ pode aumentar o risco de sangramento em procedimentos invasivos.
- Contagem <20.000/mm³, especialmente abaixo de 10.000/mm³, está associada a risco de sangramento espontâneo grave.
Trombose em Pacientes Trombocitopênicos
Embora seja menos comum, a trombocitopenia pode coexistir com um risco elevado de trombose, especialmente em condições como a Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) e a HIT.
Anemia Hemolítica Microangiopática (AHMA)
A AHMA envolve hemólise não imune (teste de Coombs negativo) resultante da fragmentação de hemácias. Caracteriza-se por presença de esquizócitos no esfregaço sanguíneo, aumento da desidrogenase láctica (LDH) e redução da haptoglobina .
Microangiopatia Trombótica (MAT)
A MAT é uma condição em que anormalidades da parede vascular em arteríolas e capilares levam à trombose microvascular. É um diagnóstico patológico, mas frequentemente inferido pela presença de AHMA e trombocitopenia em um contexto clínico compatível.
Diagnóstico de MAT
Suspeita-se de MAT em pacientes com trombocitopenia e AHMA associadas a sintomas sistêmicos, como disfunção neurológica, renal, gastrointestinal, cardiovascular ou pulmonar. A identificação precoce é essencial para evitar complicações graves.
Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT)
A PTT é uma MAT associada à deficiência severa da protease ADAMTS13, essencial para a clivagem do fator de von Willebrand. A ausência dessa protease leva à formação de trombos ricos em plaquetas e microtrombos que causam trombocitopenia e anemia hemolítica microangiopática.
Diagnóstico e Tratamento da PTT
O diagnóstico é baseado em contagem de plaquetas <20.000/mm³, presença de esquizócitos e atividade de ADAMTS13 <10%. O tratamento inclui plasmaférese, reposição de ADAMTS13 e imunossupressão.
Coagulação Intravascular Disseminada (CID)
A CID é caracterizada pela ativação sistêmica anormal da coagulação, resultando em microtrombose e consumo dos fatores de coagulação, o que pode levar a sangramentos. A CID é uma complicação comum em sepse e trauma grave, sendo um importante preditor de mortalidade.
Trombocitopenia Induzida pela Heparina (HIT)
A HIT ocorre devido à formação de autoanticorpos contra o complexo heparina-PF4, levando à ativação plaquetária e trombose. O diagnóstico é baseado no escore de 4 Ts, que avalia a contagem de plaquetas e eventos trombóticos associados à administração de heparina .
Manejo de Discrasias Sanguíneas em UTI
O manejo adequado das discrasias sanguíneas inclui:
- Suspensão de agentes desencadeantes (ex.: heparina em casos de HIT).
- Administração de anticoagulantes alternativos como argatroban e hirudina.
- Uso de terapias específicas para MAT, como eculizumab para MAT mediada por complemento.
- Controle dos fatores de risco e abordagem preventiva em pacientes críticos com alto risco de trombose ou sangramento.
Pontos Importantes
- A trombocitopenia pode coexistir com trombose em condições como HIT e PTT, exigindo um manejo específico.
- A AHMA e a MAT são condições graves que necessitam de intervenção precoce para evitar falência de múltiplos órgãos.
- A CID deve ser tratada pela abordagem da condição subjacente e suporte hemodinâmico adequado.
- Diagnóstico rápido e tratamento imediato de discrasias como PTT e HIT são cruciais para melhorar o prognóstico do paciente.
Referências
1. UpToDate. "Disorders of Platelets and Coagulation in the Intensive Care Unit." Atualizado em 2024.
2. Sociedade Brasileira de Medicina Intensiva (AMIB). "Protocolo de Manejo de Discrasias Sanguíneas em UTI."
3. Kumar, M. et al. (2024). Current Trends in Hematological Management in Critical Care. Journal of Intensive Care Medicine.
4. The New England Journal of Medicine. "Thrombocytopenia in Critically Ill Patients: Pathophysiology and Management," 2023.
5. Levi, M., et al. (2023). "Management of Disseminated Intravascular Coagulation in Critical Care." Blood.
6. ADAMTS13 and Its Role in Thrombotic Microangiopathies. Journal of Hematology, 2023.
7. American Society of Hematology (ASH) Guidelines for the Diagnosis and Management of Thrombotic Microangiopathies, 2023.
8. UpToDate. "Management of HIT and Anticoagulation Strategies."
9. COVID-19-Related Coagulopathy: Pathophysiology and Treatment Strategies. Lancet Hematology, 2023.
10. Provan, D. et al. (2024). Blood Disorders in Critical Care. Critical Care Reviews.
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