Fisiologia da Micção: síndrome da bexiga hiperativa
- claurepires
- 19 de mar.
- 6 min de leitura

Introdução
A micção é um processo fisiológico complexo e vital para a homeostase do corpo, permitindo a excreção de resíduos metabólicos através da urina. Entender a fisiologia da micção é crucial para os estudantes de Medicina, especialmente para aqueles se preparando para provas de residência médica. Este capítulo abordará de maneira detalhada as regiões cerebrais envolvidas na micção, o papel da substância periaquedutal cinzenta, a inervação simpática e parassimpática, e as fases de enchimento e esvaziamento da bexiga. Além disso, exploraremos condições como a síndrome da bexiga hiperativa, a bexiga neurogênica e estratégias de tratamento.
Regiões Inibidoras e Liberadoras da Micção
Regiões Inibidoras (Armazenamento)
- Córtex pré-frontal
- Giro anterior do cíngulo
- Hipotálamo
- Ínsula
Regiões Liberadoras (Esvaziamento)
- Córtex pré-frontal
- Região pré-óptica medial
- Hipotálamo
Função da Substância Periaquedutal Cinzenta
A substância periaquedutal cinzenta (PAG), localizada no mesencéfalo, recebe estímulos do córtex cerebral e os transmite ao centro da continência ou centro da micção na ponte. A PAG desempenha um papel crucial na modulação da micção, inibindo ou liberando o reflexo miccional.
Estruturas na Ponte e Sinais de Lesão
Na ponte, estão localizados o centro pontino da continência e o centro pontino da micção. O centro pontino da micção, quando ativado, causa contração do músculo detrusor, relaxamento do esfíncter uretral e relaxamento do assoalho pélvico, favorecendo a micção. Já o centro pontino da continência, quando ativado, aumenta a pressão uretral e provoca contração do assoalho pélvico, impedindo a micção.
Lesões na ponte podem resultar em disfunções miccionais, como incontinência ou retenção urinária, dependendo da área afetada.
Inervação na Fisiologia da Micção
Inervação Simpática
- Centros localizados de T10 a L2.
- Estímulos transmitidos pelos nervos hipogástricos.
- Função: Contração da musculatura lisa uretral e relaxamento do detrusor, promovendo a continência.
Inervação Parassimpática
- Centros localizados de S2 a S4.
- Estímulos transmitidos pelos nervos pélvicos.
- Função: Contração do detrusor, permitindo a micção.
Inervação pelo Nervo Pudendo
- Localizado no núcleo de Onuf (S2-S4).
- Inerva o esfíncter externo, permitindo controle voluntário da micção.
Estímulo à Micção e Continência
Os centros corticais estimulam a PAG, que se conecta com o centro pontino. Da ponte, saem estímulos que regulam a micção. A inervação simpática estimula a contração uretral e o relaxamento do detrusor para manter a continência. Já a inervação parassimpática promove a contração do detrusor para permitir a micção. A interação entre esses sistemas garante a sincronia necessária para o armazenamento e esvaziamento vesical.
Fases de Enchimento e Esvaziamento da Bexiga
Fase de Enchimento (Armazenamento)
- Relaxamento do Detrusor: Inibição do parassimpático.
- Aumento da Resistência Uretral: Estímulo simpático.
- Assoalho Pélvico Contraído
Fase de Esvaziamento (Micção)
- Contração do Detrusor: Ativação parassimpática.
- Relaxamento Esfincteriano: Inibição das fibras somáticas e simpáticas.
- Assoalho Pélvico Relaxado
O primeiro desejo miccional ocorre quando a bexiga contém entre 150 a 250 ml de urina, enquanto sua capacidade máxima varia entre 300 a 600 ml.
Síndrome da Bexiga Hiperativa
Definição
A síndrome da bexiga hiperativa (SBH) é caracterizada por urgência urinária, com ou sem incontinência, geralmente acompanhada por aumento da frequência diurna e nictúria, na ausência de infecção urinária ou outra patologia evidente.
Etiologia e Fisiopatologia
- Teoria Miogênica: Hiperexcitabilidade das células musculares devido ao aumento dos receptores de membrana.
- Teoria Integrativa (Urotelial): Liberação de moduladores químicos pelas células uroteliais, provocando contração do detrusor.
- Teoria Neurogênica: Aumento da excitabilidade do detrusor mediada por danos cerebrais ou medulares.
Fatores de Risco
- Cirurgias pélvicas.
- Infecções do trato urinário.
- Lesões neurogênicas.
- Presença de corpos estranhos ou tumores vesicais.
História Clínica e Diagnóstico
Pacientes relatam urgência ou urgeincontinência, frequência urinária aumentada e nictúria. Substâncias como café e álcool podem agravar os sintomas. O exame físico pode revelar tumorações palpáveis, atrofia genital, prolapsos, e reflexos neurológicos alterados.
Diário Miccional
O diário miccional é uma ferramenta útil que registra o tipo e quantidade de líquidos ingeridos, intervalo entre micções, volume urinado, e a atividade no momento da perda urinária, auxiliando no diagnóstico diferencial.
Estudo Urodinâmico
Este exame avalia a presença de obstrução infravesical, contrações não inibidas do detrusor, e ajuda a diferenciar entre hiperatividade e hipocontratilidade do detrusor. É especialmente importante para diagnóstico preciso e planejamento de tratamento.
Tratamento da Síndrome da Bexiga Hiperativa
Tratamento Não Farmacológico (Primeira Linha)
- Combate à obesidade e tabagismo.
- Redução da ingestão hídrica, cafeína e álcool.
- Micção programada.
- Reabilitação do assoalho pélvico.
Tratamento Farmacológico (Segunda Linha)
- Anticolinérgicos: Oxibutinina, Tolterodina, Solifenacina, Darifenacina.
- Agonista b3 Adrenérgico: Mirabegrona.
Tratamento Invasivo (Terceira Linha)
- Toxina Botulínica Intravesical
- Neuromodulação Sacral
- Eletroestimulação do Nervo Tibial
Bexiga Neurogênica
Definição e Causas
A bexiga neurogênica é uma disfunção do trato urinário inferior de origem neurológica, causada por:
- Acidente vascular encefálico.
- Doença de Parkinson.
- Paralisia cerebral.
- Demência.
- Tumor cerebral.
- Trauma raquimedular.
- Trauma cranioencefálico.
Tipos de Lesões e Características
- Lesão Acima do Centro Pontino da Micção: Hiperatividade detrusora com sinergia esfincteriana.
- Lesão Abaixo do Centro Pontino e Acima de S2: Hiperatividade detrusora com dissinergia vesicoesfincteriana.
- Lesão Medular Periférica Abaixo de S2: Arreflexia detrusora com hipotonia ou atonia esfincteriana.
Exames Complementares
- EAS com Urocultura: Diagnóstico diferencial de infecção urinária.
- Ultrassonografia do Trato Urinário: Avaliação de espessura do parênquima renal, dilatação, cálculos ou divertículos vesicais.
- Estudo Urodinâmico: Indispensável para avaliação da sensibilidade, complacência, capacidade de armazenamento, contrações involuntárias, e capacidade de esvaziamento vesical.
Tratamento
- Atonia Vesicoesfincteriana: Cateterismo intermitente limpo.
- Hiperatividade com Dissinergia Vesicoesfincteriana: Anticolinérgicos, toxina botulínica, ou neuromodulação com esfincterotomia.
- Hiperatividade com Sinergia Vesicoesfincteriana: Anticolinérgicos, toxina botulínica, ou neuromodulação.
- Baixa Complacência: Tratamento farmacológico ou ampliação vesical cirúrgica.
Medicamentos: princípios ativos e nomes comerciais
Princípio Ativo Nomes Comerciais
Oxibutinina Retemic®, Incontinol®, Cloridrato de oxibutinina (genérico)
Tolterodina Detrusitol® LA
Solifenacina Vesicare®, Impere®, Samile®, Urgisin®, Succinato de solifenacina (genérico)
Darifenacina Enablex®, Fenazic®, Bromidrato de darifenacina (genérico)
Mirabegrona Myrbetric®
Toxina Botulínica Botox®
Pontos Importantes
- Regiões Inibidoras e Liberadoras da Micção: Compreender as áreas cerebrais envolvidas na micção é essencial para diagnóstico e tratamento.
- Função da PAG: A substância periaquedutal cinzenta regula a micção, conectando estímulos corticais com centros pontinos.
- Estruturas na Ponte: Os centros pontinos da continência e da micção, localizados na ponte, são vitais para a coordenação da contração do detrusor e relaxamento esfincteriano durante a micção.
- Inervação Simpática e Parassimpática: A inervação simpática (T10-L2) promove a continência, enquanto a inervação parassimpática (S2-S4) facilita a micção através da contração do detrusor.
- Controle pelo Nervo Pudendo: O núcleo de Onuf e o nervo pudendo (S2-S4) são responsáveis pelo controle voluntário da micção através da inervação do esfíncter externo.
- Fases de Enchimento e Esvaziamento da Bexiga: Durante a fase de enchimento, o detrusor relaxa e a resistência uretral aumenta. Na fase de esvaziamento, o detrusor contrai e o esfíncter relaxa para permitir a micção.
- Síndrome da Bexiga Hiperativa: Caracterizada por urgência urinária, frequência aumentada e nictúria, com ou sem incontinência. Fatores de risco incluem cirurgias pélvicas, infecções do trato urinário e lesões neurogênicas.
- Tratamento da Bexiga Hiperativa: Inclui abordagens não farmacológicas, como a redução da ingestão de cafeína e micção programada, e tratamentos farmacológicos com anticolinérgicos e agonistas beta-adrenérgicos. Em casos refratários, tratamentos invasivos como a toxina botulínica e neuromodulação são considerados.
- Bexiga Neurogênica: Resultante de disfunções neurológicas, suas principais causas incluem AVC, doença de Parkinson e traumas medulares. A avaliação inclui exames como EAS, urocultura, ultrassonografia e estudo urodinâmico.
- Tratamento das Lesões Neurogênicas: Depende da localização da lesão. Lesões acima do centro pontino são tratadas com anticolinérgicos ou neuromodulação. Lesões abaixo do centro pontino e acima de S2 podem requerer esfincterotomia e neuromodulação.
- Importância do Estudo Urodinâmico: Essencial para diferenciar entre obstrução infravesical e hipocontratilidade detrusora, e para avaliar a função vesical em detalhes.
- Diário Miccional: Ferramenta útil para a avaliação das disfunções miccionais, registrando padrões de micção, tipo e quantidade de líquidos ingeridos, e atividades relacionadas.
Referências
1. Abrams, P., et al. (2010). The standardisation of terminology in lower urinary tract function: report from the Standardisation Sub-committee of the International Continence Society. Neurourology and Urodynamics, 19(2), 167-178.
2. Andersson, K. E., & Arner, A. (2004). Urinary bladder contraction and relaxation: physiology and pathophysiology. Physiological Reviews, 84(3), 935-986.
3. de Groat, W. C., & Yoshimura, N. (2015). Anatomy and physiology of the lower urinary tract. Handbook of Experimental Pharmacology, 30(5), 117-132.
4. Griffiths, D. J. (2015). The mechanics of the lower urinary tract. Medical Principles and Practice, 15(6), 390-396.
5. National Institute for Health and Care Excellence (NICE). (2019). Urinary incontinence and pelvic organ prolapse in women: management. NICE Guidelines.