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Intolerância à lactose e alergia à proteína do leite de vaca


1- Qual o fator em comum nas duas comorbidades?


Ambas as doenças são desencadeadas pela ingestão de leite de vaca, mas têm suas semelhanças e diferenças que precisam ser bem determinadas na prática clínica para o reconhecimento adequado das duas situações.


2- Como é definida a alergia alimentar?


Alergia alimentar é o termo utilizado para descrever as reações adversas decorrentes da ingestão de proteínas de alimentos ou aditivos alimentares, na qual existe um mecanismo imunológico envolvido na produção das manifestações clínicas.


3- Como é definida intolerância alimentar?


Intolerância alimentar corresponde a um termo genérico que se refere a manifestações clínicas não tóxicas e não imunomediadas, desencadeadas pela ingestão de determinado alimento.


4- Quais são os tipos de alergia à proteína do leite de vaca (APLV)?



5- Qual é o principal tipo de APLV e suas características?


A APLV mediada por células intestinais é o tipo mais comum, com manifestações restritas ao trato gastrointestinal, com colite alérgica e presença de sangue nas fezes, sem comprometimento do estado nutricional. Acomete mais lactentes e bebês jovens que tenham tido contato com o leite de vaca ou que a lactante tenha ingerido leite de vaca.


6- Como é o aspecto das fezes da APLV mediada por células intestinais?


As fezes são diarreicas, com presença de muco e sangue.



7- Como se manifesta a APLV mediada por IgE?


A doença com mecanismo imunológico envolvido se expressa com manifestações sistêmicas, como urticária, rinoconjuntivite e anafilaxia.


8- Quais as características da APLV mista?


Neste caso, o distúrbio tem grande relação com dermatite atópica, que se manifesta nas seguintes regiões do corpo:





9- Quais as principais características da intolerância à lactose (IL)?


A IL se manifesta apenas em trato gastrointestinal, constando com diarreia osmótica, fezes explosivas, de odor ácido e em grande volume. Outros sintomas associados incluem dor abdominal, distensão abdominal, flatulência, assadura perianal e vômitos.


10 - Existe exame laboratorial para diagnosticar APLV?


Nenhum exame é diagnóstico para APLV, pois os casos mais frequentes não são mediados imunologicamente, logo, nem IgE total, nem IgE específica serão úteis, não oferecendo nenhum benefício ao diagnóstico. Mesmo nos casos mediados por IgE, em lactentes pequenos, esses exames não oferecem nenhum tipo de vantagem, pois esses indivíduos não respondem adequadamente às mediações de IgE.


Os testes intradérmicos não devem ser realizados pelo grande risco de anafilaxia.


Outros testes, como liberação de histamina, ativação/estimulação de linfócitos, provocação endoscópica de alérgenos, entre outros, são usados apenas para protocolos de pesquisa e não na prática clínica.


11- Como, então, fazer o diagnóstico de APLV?


Considerando que não existem exames subsidiários que permitam confirmar ou descartar o diagnóstico de alergia alimentar, a realização de dieta de exclusão seguida pelo desencadeamento continua sendo a melhor abordagem prática.


A dieta de exclusão é feita por 30 dias, excluindo o leite de vaca da alimentação, o que apresenta remissão dos sintomas. Após esse tempo, o leite de vaca é reinserido gradativamente na dieta, com acompanhamento profissional em ambiente hospitalar, levando à recidiva dos sintomas e confirmação diagnóstica.


12- Quais os benefícios do teste de desencadeamento?


Apesar da insegurança da família, o teste de desencadeamento tem grande importância por:


  • Fornecer a confirmação diagnóstica

  • Redução do risco de exposição acidental ao alimento

  • Diminuição da ansiedade da família

  • Validação do esforço do paciente e sua família em evitar o alimento.


13- Como fazer o diagnóstico de intolerância à lactose?


Diante de forte suspeita clínica, a exclusão da lactose da dieta é a melhor opção, tanto para diagnóstico, quanto para tratamento, não necessitando de exames laboratoriais.


14- Como funciona o teste de tolerância à lactose?


O teste de tolerância à lactose é a medida indireta da atividade da lactase, pela medida seriada da glicemia (jejum, 15min, 30min, 60min). Um bom absorvedor de lactose quebra a lactose em galactose e glicose, gerando aumento da glicemia de pelo menos 20 a 25 mg/dL entre o jejum e qualquer outra aferição. Se esse aumento não é observado, há deficiência ou ausência da lactase.


15- Como funciona o teste do hidrogênio expirado?


Se, por algum motivo, a lactose não é absorvida, ela permanece distribuída no intestino e é fermentada pela microbiota intestinal. O resultado desse metabolismo é a produção de hidrogênio, que é liberado na respiração. No teste do hidrogênio expirado, é administrada a lactose e são feitas medidas seriadas do hidrogênio no ar expirado. Se há aumento expressivo desse hidrogênio, a lactose não está sendo adequadamente absorvida.


16- Qual deve ser a conduta nos casos de APLV?


Deve ser feita a exclusão da proteína do leite de vaca da dieta.


  • Crianças em aleitamento materno exclusivo: manter aleitamento e suspender totalmente leite e derivados da dieta materna. Suplementar cálcio para a lactante (1g/dia)

  • Crianças com APLV não amamentadas: exclusão total da proteína do leite de vaca da alimentação da criança pelo tempo necessário para adquirir tolerância que é de pelo menos 3 meses, mas o ideal é manter até os 12-18 meses de idade, quando a doença começa a entrar em remissão.

  • Crianças com sintomas gastrointestinais presentes, mas sem comprometimento do estado nutricional: fórmulas semi-elementares, à base de proteína extensamente hidrolisada, que são de fácil absorção e hipoalergênicas.

  • Crianças com comprometimento do estado nutricional ou sintomas ameaçadores à vida: fórmulas elementares, à base de aminoácidos livres, que tem a absorção ainda mais facilitada.

17- A fórmula a base de soja pode ser utilizada na APLV?


A fórmula a base de soja não deve ser utilizada nos casos de APLV já que 10% – 14% das crianças com APLV também apresentam alergia à soja. A soja é contraindicada se presença de colite alérgica (APLV mediada por células) e em menores de 6 meses de idade (pela presença de flavonoides).


As fórmulas à base de soja podem ser indicadas para crianças de 6 meses a 2 anos de vida, com diagnóstico de APLV mediada por imunoglobulina E (IgE). Indicada também quando o gosto das fórmulas hidrolisadas ou o custo das mesmas sejam fator limitante ao seu uso, desde que a tolerância esteja bem estabelecida.


18- Qual é o fluxograma de terapia nutricional para APLV?




19- Qual deve ser a conduta nos casos de IL?


A lactose deve ser excluída da dieta. Para substituir o leite, pode ser utilizado o leite com baixo teor de lactose e fórmulas infantis a base de soja.


20- Como é a evolução do quadro de APLV?


  • Não IgE mediada: Resolução até os 3-5 anos de idade.

  • IgE mediada: Cerca de 10% a 25 % podem permanecer alérgicos ao longo da vida, e em torno de 50% desenvolvem sensibilização para outros alimentos.

21- Como é a evolução do quadro de IL?

  • Congênita: muito rara

  • Ontogenética: sintomas iniciam-se na adolescência e persistem pela vida adulta, pela redução na produção de lactase ao longo da vida.

  • Secundária: fator desencadeante, como uma rotavirose, doença celíaca, desnutrição grave e qualquer outra afecção que acometa as vilosidades intestinais. É transitória na maioria dos casos.

22- Como prevenir a APLV e IL?


  • Aleitamento materno exclusivo até os seis meses é fundamental para prevenção de ambas as situações.

  • Fórmula parcialmente hidrolisada em história familiar (irmãos) fortemente sugestiva de alergia alimentar, apesar de os estudos serem controversos. Pode ser utilizada também se história familiar de dermatite atópica.

  • A dieta materna na gravidez quando há história pregressa não tem comprovação de benefícios.

Referências bibliográficas:


1-ESPHGAN Guideline: Diagnosis and management of CMPA, 2012


2-Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar,2018


3-Guia prático de diagnóstico e tratamento da Alergia às Proteínas do Leite de Vaca mediada pela imunoglobulina E, 2012


4-Lactose Intolerance and Health Disparities Among African Americans and Hispanic Americans: An Updated Consensus Statement, 2013


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