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Manejo da Cirrose Hepática

Atualizado: há 3 dias

Doutor Fabio Pace



A cirrose hepática é uma doença prevalente e suas principais causas são as hepatites crônicas pelos vírus B e C, a doença hepática alcoólica e a doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (MAFLD). A agressão crônica e insidiosa, causada por diferentes agentes, resulta em inflamação, necrose celular e ativação da fibrogênese hepática. Com a deposição progressiva de matriz de colágeno no parênquima, há formação de nódulos fibróticos e distorção da arquitetura vascular. O resultado é a perda da capacidade funcional do fígado e o aparecimento da hipertensão portal (1).

Do ponto de vista clínico, a cirrose hepática, em suas fases iniciais, estágio compensado, é assintomática e silenciosa. Com a evolução do processo, e agravamento da hipertensão portal, surgem sinais e sintomas de descompensação como ascite, encefalopatia hepática, hemorragia digestiva alta por ruptura de varizes esofagogástricas (VEG). É o estágio descompensado da doença. Atualmente, a cirrose hepática pode ser classificada em seis estágios clínicos (figura 1). Pacientes em estágio compensado têm sobrevida média de 12 anos, enquanto, em descompensados, essa ​​não é superior a 2 anos. Cerca de 5% a 7% dos pacientes migram do estágio compensado para o descompensado a cada ano (2).

O grau de pressão no sistema porta (GPVH = gradiente de pressão venoso hepático) é o principal responsável pela migração da fase compensada para a descompensada. Valores acima de 10 mmHg marcam o surgimento de hipertensão portal clinicamente significante (HPCS) que é fortemente relacionada ao risco de descompensação. De modo indireto, é possível inferir que pacientes com VEG, esplenomegalia, shunts portossistêmicos ou elastografia hepática ≥ 20 Kpa tenham HPCS (Figura1). (3).

Figura 1. Estágios clínicos da Cirrose hepática




Pacientes com HPCS apresentam vasodilatação esplâncnica que gera redução da volemia efetiva e ativação dos sistemas neuro-humorais (renina-angiotensina-aldosterona, noradrenérgicos e ADH). Há retenção de sódio e água e hipoperfusão renal com surgimento de ascite e disfunção renal. Recentemente, tem sido destacado o papel da inflamação sistêmica e do status pró-oxidante na patogenia da cirrose descompensada e disfunção orgânica. Translocação de produtos bacterianos (PAMPS = padrões moleculares associados a patógenos) da luz intestinal para a circulação sistêmica e liberação de moléculas tipo padrões moleculares associados ao dano (DAMPS) provenientes do fígado comprometido promovem a liberação de citocinas inflamatórias, que agravam as alterações hemodinâmicas e precipitam o aparecimento das descompensações clínicas (4).


Uma das estratégias mais importantes para reduzir o risco de descompensação é a eliminação do agente agressor. A erradicação do vírus da Hepatite C, a interrupção sustentada do consumo de álcool, por exemplo, são capazes de reduzir o risco de descompensação. Entretanto, é possível que haja um “ponto sem retorno” a partir do qual, mesmo eliminando o fator etiológico, a descompensação é inevitável.


Os betabloqueadores não seletivos (BBNS) são drogas eficazes na redução da pressão portal através do bloqueio de receptores beta 1 (cardíacos) e beta 2 (circulação esplâncnica) que geram efeito inotrópico e cronotrópico negativos e vasoconstrição esplâncnica, respectivamente. Se o risco de descompensação está relacionado ao surgimento da HPCS é provável que diminuir a pressão abaixo desse limite (10 mmHg) pode reduzir o aparecimento de todas as complicações relacionadas à hipertensão portal e não apenas o sangramento varicoso. O estudo PREDESCI incluiu pacientes com cirrose hepática compensada e HPCS e demonstrou que descompensação ou morte ocorreram em 27% dos pacientes do grupo placebo e 16% dos pacientes que receberam BBNS (propranolol ou carvedilol). O carvedilol foi superior ao propranolol (5).


O uso das estatinas parece promissor como medida adjunta na redução da pressão portal. Estatinas atuam no componente dinâmico (tônus vascular) da HP aumentando na microcirculação hepática a expressão da óxido nítrico sintetase e, consequentemente, a produção de óxido nítrico potente vasodilatador. Pacientes em profilaxia secundária de sangramento por VEG, a associação de sinvastatina 40 mg/dia à terapia padrão (BBNS e terapia endoscópica) não reduziu a taxa de ressangramento, mas reduziu a mortalidade (22% vs. 9%), sobretudo em pacientes Child A e B. Séries retrospectivas mostram que as estatinas podem reduzir o risco de descompensação e do surgimento do carcinoma hepatocelular (6).

Hemorragia digestiva alta


No diagnóstico, 30% a 40% dos pacientes com cirrose hepática apresentam VEG. O risco de hemorragia é de 5% ao ano se as varizes forem de fino calibre e 15% se de médio ou grosso calibre. O sangramento varicoso é responsável por 80% a 85% dos episódios de hemorragia digestiva em pacientes com cirrose hepática. Após o primeiro sangramento, 65% dos pacientes apresentarão recorrência em 2 anos se não tratados. Cerca de 15 a 20% dos pacientes morrem em decorrência do sangramento varicoso.


No momento do diagnóstico da cirrose, o paciente deve ser submetido à endoscopia digestiva para rastreamento de VEG. Pacientes com elastografia < 20 e plaquetas >150.000 apresentam chance de 5% de terem VEG de alto risco (VEG de médio e grosso calibre com sinais da cor vermelha) e podem ser poupados da EDA inicial.


Pacientes CHILD C com VE de fino calibre com red spots deverão receber profilaxia primária (sem sangramento prévio) com betabloqueador (propranolol ou carvedilol) ou LEVE. O propranolol deverá ser iniciado na dose de 20 a 40 mg a cada 12 horas. Aumentos subsequentes deverão ser feitos conforme resposta e tolerância (objetivo: FC 55-60 bpm). O carvedilol deverá ser iniciado na dose de 6.25 mg uma vez ao dia. No 3º dia, verificar a pressão arterial. Se pressão arterial sistólica (PAS) > 90 mmHg dobrar a dose (12.5 mg/dia). Pacientes com VE de médio e grosso calibre deverão receber profilaxia primária preferencialmente com BBNS, uma vez que está demonstrado que essa medida reduz o risco de descompensações clínicas, além do sangramento varicoso, entretanto, ligadura endoscópica de VEG (LEVE) poderá ser realizada. Se houver contraindicação ao BBNS ou intolerância recomendar LEVE.


Pacientes que já sangraram deverão receber terapia combinada com LEVE e BBNS. A LEVE deverá ser realizada a cada 2 a 4 semanas até a erradicação completa das VEG. Após a erradicação, nova EDA deverá ser realizada em 3 a 6 meses e, em seguida, a cada 6 a 12 meses.



Manejo do sangramento agudo


Os principais objetivos são cessar o sangramento, impedir o ressangramento e morte. O primeiro passo é a estabilização hemodinâmica. Dois acessos venosos periféricos de calibre adequado deverão ser disponíveis. Acesso venoso central pode ser necessário em pacientes com sangramento maciço e instabilidade hemodinâmica. Iniciar expansão com cristaloides visando PAS ≥ a 90 mmHg e/ou pressão arterial média (PAM) entre 65 a 70 mmHg.


A estratégia transfusional restritiva é a recomendada na qual se realiza transfusão se hemoglobina < 7g/dl (alvo: hemoglobina 7 a 9 g/dl). A reposição excessiva aborta a vasoconstrição esplâncnica reflexa secundária a hipovolemia e aumenta a pressão portal. Realizar IOT em pacientes com sangramento maciço e/ou rebaixamento do nível de consciência. Inibidores de bomba de prótons podem ser usados antes da realização da EDA, uma vez que 15% dos cirróticos podem sangrar por causas não relacionadas à hipertensão portal.


Infecções bacterianas ocorrem em até 50% dos pacientes com cirrose hepática e sangramento agudo. A presença de infecção está associada à falência do controle do sangramento, maior chance de ressangramento e morte. Recomenda-se a administração imediata de antibióticos com intuito profilático. Norfloxacin 400 mg duas vezes ao dia ou ceftriaxona 1g EV uma vez ao dia por sete dias.


Para correção da coagulopatia não há evidências consistentes na literatura. O tempo de protrombina e o RNI não refletem de modo acurado a tendência ao sangramento, logo, a administração de plasma fresco congelado baseado nesses parâmetros não está indicada. Reposição de fator recombinante VII e a administração de desmopressina não se mostraram eficazes. É provável que a reposição de plaquetas seja indicada quando seus níveis estiverem abaixo de 30.000 (limite crítico para geração de trombina).


Para o tratamento do sangramento varicoso duas medidas são fundamentais: o uso de drogas vasoconstritoras da circulação esplâncnica e a terapia endoscópica. As drogas deverão ser administradas antes da realização da EDA (Terlipressina 2 mg EV ou octreotide 100 microgramas EV em bolus) e mantidas por 2 a 5 dias. Somatostatina, terlipressina e octreotide têm eficácia comparável.



Após estabilização, a EDA deverá ser realizada para identificar e tratar a origem do sangramento. O intervalo de tempo entre a chegada do paciente ao setor de emergência e a realização de endoscopia (tempo “porta-endoscopia”) não deve ser superior a 12 horas. Intervalos maiores estão associados à mortalidade e ao ressangramento. O método hemostático de escolha é a ligadura (figura 2). Em pacientes refratários à terapia padrão (10% a 15% dos casos) está recomendada a passagem de balão de Sengstaken Blakemore. Em razão de complicações, seu tempo máximo de permanência não deve exceder 24 horas. Uma alternativa, com menos complicações e maior eficácia, é a colocação de prótese esofágica auto-expansível, que pode permanecer até 7 dias.


O papel do TIPS no paciente com sangramento varicoso pode ser dividido em TIPS de resgate (para aqueles com sangramento persistente ou ressangramento precoce maciço, apesar de terapia adequada) e TIPS preemptivo (para aqueles que tiveram o controle do sangramento, mas apresentam alto risco de ressangramento). Pacientes Child B com sangramento ativo e Child C10 a C13 bem selecionados (< 75 anos, creatinina <3 mg/dL, ausência de EH recorrente, boa função cardíaca) se beneficiam do TIPS preemptivo (colocado em até 72 horas) Figura 2. (7), (8)

Figura 2. Manejo do sangramento varicoso





Ascite



O paciente com cirrose hepática que apresenta seu primeiro episódio de ascite ou que é hospitalizado deverá ser submetido à paracentese diagnóstica para confirmar a causa da ascite e rastrear peritonite bacteriana espontânea (PBE), respectivamente. Citometria total e diferencial, LDH, glicose, proteínas totais e frações, além de bacterioscopia e culturas devem ser determinados. No cirrótico, o líquido ascítico apresenta gradiente de albumina sérica-ascite (GASA = albumina sérica menos albumina do líquido ascítico) igual ou superior a 1.1 com acurácia de 97%.


O tratamento da ascite consiste na restrição de sódio (2 g de sódio/dia) e terapia diurética. A espironolactona, antagonista da aldosterona, é o tratamento de escolha da ascite, uma vez que esses pacientes apresentam hiperaldosteronismo secundário. A furosemida, diurético de alça, promove natriurese. A dose máxima de espironolactona é de 400 mg/dia e de furosemida 160 mg/dia. Deve ser respeitada a relação 100 mg de espironolactona para 40 mg de furosemida. A dose pode ser reajustada a cada 3 a 5 dias conforme tolerância e resposta. É permitida uma perda de peso de até 1 kg/dia em pacientes com edema de membros inferiores e até 0.5 kg/dia nos pacientes sem edema. Perdas maiores podem reduzir o volume intravascular e precipitar o surgimento de disfunção renal e hiponatremia. As principais complicações são a insuficiência renal pré-renal, hipocalemia ou hipercalemia, hiponatremia e encefalopatia hepática.



Nos pacientes com ascite tensa com restrição respiratória a paracentese evacuadora total é a escolha. Se paracentese > 5 litros realizar reposição de albumina (6g a 8g para cada litro de ascite retirado; se retirado 10 litros repor 60 a 80 g).

Cerca de 10% dos pacientes com ascite não respondem à terapia diurética máxima e restrição de sódio, o que caracteriza ascite refratária. A sobrevida média de pacientes com ascite refratária é de 6 meses e a melhor alternativa é o transplante hepático. Durante a espera pelo transplante, estratégias alternativas são a paracentese evacuadora total e o TIPS. O TIPS (derivação portossistêmica transjugular) é uma opção para pacientes com boa reserva hepática (Bilirrubina total < 5 mg/dl, RNI <2 ou Child-Pugh <12), boa função cardíaca, função renal razoável (creatinina < 2 a 2.5 mg/dL), ausência de encefalopatia hepática (sobretudo se grau > 2 ou persistente) e que tenham feito menos de 6 paracenteses nos últimos 3 meses. Estudos recentes demonstraram que o TIPS com revestimento, em pacientes bem selecionados, foi superior a paracentese evacuadora (7), (9).

Encefalopatia Hepática


EH é uma disfunção cerebral transitória causada por insuficiência hepática ou shunts portossistêmicos, que se manifesta por manifestações neurológicas e psiquiátricas, que vão desde alterações subclínicas até o coma. Ocorre em 15% a 20% dos pacientes com cirrose e, após o primeiro episódio, a sobrevida em 1 e 3 anos é de 42% e 23%, respectivamente.

A classificação de West Heaven gradua a EH de acordo com a gravidade das manifestações. A EH pode ser dividida em “covert” (alterações mínimas/subclínicas que necessitam testes específicos para sua identificação) e “overt” quando as manifestações clínicas são evidentes. A EH mínima não é identificável do ponto de vista clínico.

Graus

Achados

I

Perda da atenção, euforia, alteração ritmo sono-vigília, dificuldade de realizar soma ou subtrair.

II

Letargia, desorientação tempo, comportamento inapropriado, alteração de personalidade, dispraxia, flapping.

III

Sonolência, semi-estupor, responde a estímulos, confuso, comportamento bizarro.

IV

Coma.

Grau I = covert / Graus II, III e IV = overt; Encefalopatia hepática mínima é identificada somente através de testes psicométricos.

A principal substância envolvida na patogenia da EH é a amônia. Sangue rico em amônia, proveniente do cólon, chega ao fígado onde deveria ser metabolizado. No paciente com disfunção hepática, a amônia não metabolizada (sobrecarga) atravessa a barreira hematoencefálica. No SNC, a metabolização da amônia pelo glutamato gera glutamina em excesso, que ocasiona edema astrocitário e disfunção neuronal.

O diagnóstico da EH em pacientes com EH graus igual ou superior a 2 (overt) é clínico. O Asterix ou flapping não é específico da EH podendo ocorrer na uremia e na hipercapnia. Por outro lado, a EH covert, sobretudo a mínima, é diagnosticada através da utilização de testes psicométricos específicos como o PHES (psychometric hepatic encephalopathy score) e o stroop test. A dosagem sérica de amônia não tem valor diagnóstico estabelecido (10).

No paciente com encefalopatia hepática sempre buscar um fator desencadeante como: desidratação, sangramento, infecção, uso de diuréticos, benzodiazepínicos e opioides (outros psicotrópicos), distúrbios eletrolíticos e constipação. Os principais diagnósticos diferenciais são: hipoglicemia, coma hiperosmolar, intoxicação e/ou abstinência alcoólica, wernickie, epilepsia não convulsiva, infecções do SNC, sangramento intracraniano, AVE e desordens neuropsiquiátricas.


Pacientes com graus avançados de EH deverão ser tratados em nível hospitalar. A terapia de primeira linha é a lactulose, dissacarídeo não absorvível, que tem ação laxativa osmótica, promove acidificação do cólon com menos formação de amônia e altera a microbiota intestinal para bactérias não produtoras de urease que formam menos amônia. O tratamento pode ser iniciado com 10 a 20 ml a cada uma ou duas horas até obter duas a três evacuações ou obter melhora clínica. A partir de então, a dose deverá ser reajustada com objetivo de manter 2 a 3 evacuações/dia. Após o primeiro episódio, manter a lactulose visando prevenir novos episódios de EH (profilaxia secundária). Pacientes refratários à lactulose podem ser tratados com metronidazol 250 a 400 mg três vezes ao dia ou neomicina 2 a 4 g/dia (aminoglicosídeo pobremente absorvido). O metronidazol não deverá ser utilizado por períodos superiores a 14 dias (risco de neurotoxicidade). A neomicina é obtida por manipulação farmacêutica e pode ocasionar oto e nefrotoxicidade o que motiva cautela e supervisão.


A rifaximina, antibiótico pobremente absorvido, que reduz a população de bactérias produtoras de amônia, é uma excelente alternativa. A dose a ser utilizada é de 550 mg duas vezes ao dia, tendo evidências científicas sólidas para profilaxia secundária da EH. Já se encontra disponível no Brasil, mas tem o custo elevado.

L-ornitina L-aspartato (LOLA) estimula a síntese de glutamina em nível muscular o que reduz a produção de amônia. Não há evidências robustas para o uso da LOLA no tratamento da EH, mas, é provável, que em pacientes com EH grau ≥ 2, a associação LOLA com a terapia padrão seja benéfica. Outros tratamentos como BCAA, zinco, embolização de shunts portossistêmicos podem ser utilizados (11). Figura 3


Figura 3. Manejo da encefalopatia hepática



Peritonite bacteriana espontânea


Portadores de cirrose hepática são susceptíveis a infecções bacterianas. À admissão hospitalar, cerca de 30% dos cirróticos apresentam infecção bacteriana. Disbiose, aumento da permeabilidade intestinal, comprometimento do sistema retículo-endotelial, disfunção de neutrófilos e redução da capacidade de opsonização do líquido ascítico são fatores predisponentes. Peritonite bacteriana espontânea (25%), infecções do trato urinário (20%) e pneumonia (15%) são as mais frequentes. A PBE é definida como infecção do líquido ascítico sem causa ou fonte intra-abdominal identificável. Febre, dor abdominal e alteração do status mental são as manifestações mais observadas. A realização de paracentese diagnóstica é obrigatória em todos os pacientes descompensados que internam e diante da menor suspeita.


Para análise do líquido ascético, deverá ser solicitado citometria total e diferencial, proteínas totais e frações, glicose, LDH e cultura. Com a finalidade de aumentar a positividade da cultura, o líquido ascítico deve ser inoculado imediatamente após a coleta em frasco de hemocultura. A dosagem sérica de proteínas totais e frações, glicose e LDH deve ser feita no mesmo dia da coleta do líquido ascítico para a correta interpretação.

O diagnóstico de PBE pela contagem de polimorfonucleares no líquido ascítico superior a 250 células por mm3. Não é necessário aguardar o resultado da cultura para início da terapia antimicrobiana. Aproximadamente 40% das culturas são positivas e os patógenos mais comuns são gram negativos (Escherichia coli) e cocos gram positivos (Streptococcus sp e Enterococcus sp).


Com o diagnóstico precoce e tratamento efetivo a mortalidade por PBE é inferior a 20%. Para a escolha do esquema antimicrobiano adequado devemos considerar a gravidade da infecção, o local de aquisição, antecedentes de infecção por bactérias multidrogas resistentes (MDR) e antimicrobianos já utilizados. De acordo com o local de aquisição, a PBE é classificada em: comunitária, relacionada à assistência em saúde (paciente que nos últimos 30 dias realizou hemodiálise e/ou quimioterapia; ou que nos últimos 90 dias foi hospitalizado por pelo menos dois dias, submetido à cirurgia ou é institucionalizado) e nosocomial (aquela que ocorre após 48 horas de hospitalização). A frequência de bactérias MDR é maior nas últimas duas situações.


Em pacientes com PBE comunitária, usar cefalosporina de 3ª geração (cefotaxima 2 g EV a cada 12 horas ou ceftriaxona 2 g EV/dia) por 5 a 8 dias. O uso da amoxicilina-clavulanato na dose de 1 g EV a cada 8 horas (resistência bacteriana crescente) ou ciprofloxacina 400mg EV a cada 12 horas são alternativas. Após 48 horas de tratamento, nova paracentese diagnóstica deverá ser feita. Na ausência de resposta, (resposta = queda de pelo menos 25% de neutrófilos no líquido ascítico) pensar em peritonite secundária (há um foco intra-abdominal, por exemplo, perfuração intestinal) ou PBE ocasionada por germes resistentes. Nesses pacientes, excluir peritonite bacteriana secundária (reavaliação clínica, análise do líquido ascítico e tomografia computadorizada de abdômen) e modificar o esquema antimicrobiano, se possível, baseado nos resultados da cultura. Caso esta seja negativa ou não concluída, escalonar para piperacilina-tazobactam ou meropenem ou imipenem associado ou não à teicoplanina ou linezolide conforme características epidemiológicas locais.


Em pacientes com PBE nosocomial ou relacionada à assistência em saúde é frequente a identificação de enterobactérias produtoras de Beta-lactamases de amplo espectro (ESBL) e bactérias gram positivas resistentes como Staphylococcus aureus meticilino-resistente (MRSA). O esquema inicial com carbapenêmicos ou piperacilina-tazobactam com ou sem glicopeptídeo é o regime de escolha. Tal regime deve ser readequado conforme o resultado da cultura.


Em pacientes com PBE, IRA ocorre em até 30% dos pacientes. O surgimento de falência renal é o principal preditor de mortalidade na PBE. Diuréticos, drogas nefrotóxicas (aminoglicosídeos, AINEs) e hipotensoras não devem ser utilizadas. A administração de albumina na dose de 1,5 g/kg de peso (máximo de 100g) no primeiro dia e 1 g/kg no terceiro dia previne o surgimento de falência renal e reduz a mortalidade. Pacientes com bilirrubina total superior a 4 mg/dL, creatinina > 1mg/dL e uréia > 30 mg/dL são os que mais se beneficiam da albumina.

Após o primeiro episódio de PBE o risco de recorrência é de 70% em um ano. Profilaxia secundária com norfloxacina 400 mg/dia reduz a taxa de recorrência para 20% ano. A antibioticoterapia deve ser utilizada até o transplante hepático, resolução da ascite ou óbito (7).

REFERÊNCIAS


1. Tsochatzis EA, Bosch J, Burroughs AK. Liver cirrhosis. Lancet [Internet]. 2014;383(9930):1749–61. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60121-5

2. D’Amico G, Morabito A, D’Amico M, Pasta L, Malizia G, Rebora P, et al. Clinical states of cirrhosis and competing risks. Journal of Hepatology. 2018.

3. De Franchis R, Abraldes JG, Bajaj J, Berzigotti A, Bosch J, Burroughs AK, et al. Expanding consensus in portal hypertension Report of the Baveno VI Consensus Workshop: Stratifying risk and individualizing care for portal hypertension. Journal of Hepatology. 2015.

4. Bernardi M, Caraceni P. Novel perspectives in the management of decompensated cirrhosis. Nature Reviews Gastroenterology and Hepatology. 2018.

5. Villanueva C, Albillos A, Genescà J, Garcia-Pagan JC, Calleja JL, Aracil C, et al. β blockers to prevent decompensation of cirrhosis in patients with clinically significant portal hypertension (PREDESCI): a randomised, double-blind, placebo-controlled, multicentre trial. Lancet. 2019;

6. Heleno de Lima Pace F, Maria Giordano Val閞io H, Machado de Oliveira J, Val閞ia Bastos Dias Barbosa K, Campanha da Rocha Ribeiro T, et al. Beta-blockers and Statins: Role in Portal Hypertension and Beyond. J Gastroenterol Hepatol Res. 2020;

7. Angeli P, Bernardi M, Villanueva C, Francoz C, Mookerjee RP, Trebicka J, et al. EASL Clinical Practice Guidelines for the management of patients with decompensated cirrhosis. J Hepatol. 2018;

8. Zanetto A, Garcia-Tsao G. Management of acute variceal hemorrhage. F1000Research. 2019.

9. Adebayo D, Neong SF, Wong F. Refractory Ascites in Liver Cirrhosis. American Journal of Gastroenterology. 2019.

10. Vilstrup H, Amodio P, Bajaj J, Cordoba J, Ferenci P, Mullen KD, et al. Hepatic encephalopathy in chronic liver disease: 2014 Practice Guideline by the American Association for the Study Of Liver Diseases and the European Association for the Study of the Liver. Hepatology. 2014;

11. Yanny B, Winters A, Boutros S, Saab S. Hepatic Encephalopathy Challenges, Burden, and Diagnostic and Therapeutic Approach. Clinics in Liver Disease. 2019.

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