A mastocitose é a proliferação de mastócitos com infiltração na pele ou em outros tecidos e órgãos. A síndrome da ativação de mastócitos consiste em uma ativação aumentada e inapropriada de mastócitos sem proliferação clonal. Os sintomas resultam principalmente da liberação dos mediadores e incluem prurido, rubor e dispepsia decorrente de hipersecreção gástrica. O diagnóstico é feito por biópsia de pele, medula óssea ou ambas. O tratamento consiste na administração de anti-histamínicos e no controle de qualquer doença de base.
A mastocitose é um grupo de doenças caracterizadas pela proliferação de mastócitos e sua infiltração na pele, em outros órgãos, ou ambos. A patologia resulta principalmente da liberação de mediadores mastocitários, incluindo histamina, heparina, leucotrienos e várias citocinas inflamatórias. A histamina causa vários sintomas, incluindo os gástricos, mas outros mediadores também contribuem. Uma infiltração significativa nos órgãos pode causar a disfunção destes. A liberação de mediadores pode ser desencadeada por fatores físicos, exercícios, álcool, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), opioides, picadas de insetos ou alimentos.
A etiologia em muitos casos de mastocitose envolve uma mutação ativadora (D816V) no gene que codifica para o fator receptor c-kit das células-tronco, que está presente nos mastócitos. O resultado é a autofosforilação do receptor, o que causa proliferação descontrolada de mastócitos.
Classificação da mastocitose
A mastocitose pode ser cutânea ou sistêmica. Mastocitose cutânea A mastocitose cutânea tipicamente ocorre em crianças. A maioria dos pacientes apresenta urticária pigmentosa, uma lesão maculopapular de cor salmão ou marrom provocada por múltiplos conjuntos de pequenas células mastocíticas. Podem ocorrer lesões nodulares e placas. Menos comuns é a mastocitose cutânea difusa, representada por infiltração cutânea sem lesões discretas, e o mastocitoma que é uma grande coleção (1 a 5 cm) solitária de mastócitos. As formas cutâneas raramente progridem para doença sistêmica em crianças, mas isso pode ocorrer em adultos.
Mastocitose sistêmica
A mastocitose sistêmica é mais comum em adultos e se caracteriza por lesões multifocais na medula óssea; envolve com frequência outros órgãos, sendo os mais comuns a pele, linfonodos, fígado, baço, e/ou o trato gastrintestinal.
A mastocitose sistêmica classifica-se como
Mastocitose indolente, sem disfunção de órgãos e com bom prognóstico
Mastocitose associada a outras doenças hematológicas (p. ex., doenças mieloproliferativas, mielodisplasia, linfoma)
Mastocitose agressiva, caracterizada pelo comprometimento das funções orgânicas
Mastocitose leucêmica, com > 20% de mastócitos na medula óssea, sem lesões na pele, com falência de múltiplos órgãos e prognóstico desfavorável
Síndrome de ativação de mastócitos
A síndrome da ativação dos mastócitos são caracterizados por ativação aumentada e inapropriada dos mastócitos com liberação de mediadores, mas sem proliferação clonal ou infiltração de órgãos por mastócitos (1).
Inicialmente, a síndrome só era diagnosticada quando a liberação do mediador era idiopática, mas a definição foi então ampliada de modo a incluir a liberação desencadeada por IgE específica ao alérgeno, certos fármacos ou fatores físicos. Causas genéticas são suspeitas, mas não comprovadas. A maioria dos casos não envolve proliferação clonal dos mastócitos, mas decorre de um limiar mais baixo para desgranulação dos mastócitos.
A síndrome da ativação dos mastócitos frequentemente tem sido associados à síndrome de taquicardia ortostática postural (STOP) e síndrome de Ehlers-Danlos, embora a natureza da conexão não seja clara.
As manifestações da síndrome da ativação dos mastócitos costuma ser semelhante à dos pacientes com mastocitose sistêmica; elas incluem taquicardia, síncope, urticária, rubor, náuseas, vômitos e confusão mental (brain fog).
Não está claro se os transtornos da ativação de mastócitos podem progredir para mastocitose sistêmica ou outra forma de mastocitose e, se progredirem, quantos pacientes são afetados.Referência sobre classificação
1. Weiler CR, Austen KF, Akin C, et al: AAAAI Mast Cell Disorders Committee Work Group Report: Mast cell activation syndrome (MCAS) diagnosis and management. J Allergy Clin Immunol 144 (4):883–896, 2019. doi: 10.1016/j.jaci.2019.08.023
Sinais e sintomas da mastocitose
O envolvimento da pele costuma ser pruriginoso na mastocitose — quer haja um único mastocitoma ou uma doença mais difusa. Podem piorar o prurido:
Mudanças na temperatura
Contato com roupas ou outros materiais
Uso de alguns fármacos, incluindo anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
Consumo de bebidas quentes, alimentos condimentados ou álcool
Exercícios
Lesões cutâneas por pancadas ou atrito causam urticária e eritema (sinal de Darier); essa reação difere do dermografismo, relacionado com a pele normal.
Sinal de Darier
Podem ocorrer sintomas sistêmicos de várias formas. A mais comum é o rubor; as piores são as reações anafilactoides e anafiláticas com síncope e choque. Outros sintomas são dor epigástrica decorrente de úlcera péptica, náuseas (porque a histamina estimula a produção de ácido gástrico), vômitos, diarreia crônica, artralgias, dor nos ossos e alterações neuropsiquiátricas (p. ex., irritabilidade, depressão, alteração do humor). A infiltração hepática e esplênica pode causar hipertensão portal, com consequente ascite.
Diagnóstico da mastocitose
Avaliação clínica
Biópsia da medula óssea
Níveis séricos de triptase (se possível, basal e durante os sintomas)
O diagnóstico da mastocitose é sugerido pelo quadro clínico. Entretanto, sintomas semelhantes podem ser causados por muitas outras doenças como síndrome carcinoide, vipoma, gastrinoma (síndrome de Zollinger-Ellison) e urticária crônica.
Na maioria dos pacientes, o diagnóstico exige biópsia da medula óssea e avaliação dos níveis de triptase (um marcador da desgranulação dos mastócitos). Pode-se fazer biópsia cutânea para verificar a presença de mastócitos, mas esse teste não substitui a necessidade de biópsia da medula óssea para classificar o diagnóstico e fazer o estadiamento.
Confirma-se o diagnóstico de mastocitose quando um critério principal e pelo menos um critério secundário ou ≥ 3 (de 4) critérios secundários são atendidos.
O principal critério é
A presença de agregados densos multifocais de > 15 mastócitos na medula óssea (preferível) ou outros órgãos extracutâneos (exceto trato GI, linfonodos, fígado ou baço)
Os 4 critérios menores são
Morfologia atípica ou formas fusiformes em > 25% dos mastócitos nas seções de biópsia ou aspirado da medula óssea
Uma mutação do gene kit no códon 816 (comumente Asp816Val) na medula óssea, sangue periférico ou outro tecido
Medula óssea ou outros mastócitos extracutâneos que expressam os marcadores de superfície CD2, CD25 ou ambos
Os níveis séricos basais de triptase são > 20 ng/mL (> 20 mcg/L); valores > 11,4 ng/mL (11,4 mcg/L) são considerados elevados pela maioria dos laboratórios que fazem o diagnóstico)
Os níveis séricos basais de triptase são elevados na mastocitose sistêmica, mas geralmente são normais na mastocitose cutânea e na síndrome de ativação de mastócitos.
Os critérios diagnósticos da síndrome de ativação de mastócitos são:
Sintomas clínicos típicos da liberação de mediadores de mastócitos
Durante os sintomas, um aumento transitório substancial nos níveis séricos de triptase total ou um aumento em outros mediadores derivados de mastócitos, como N-metil-histamina ou prostaglandina D2, leucotrieno E4 ou seus metabólitos urinários
Resposta clínica a fármacos que atenuam a produção ou as atividades dos mediadores de mastócitos
Pacientes com ativação de mastócitos normalmente têm biópsia da medula óssea normal, se esta for realizada.
Se o diagnóstico é incerto, os níveis dos mediadores de mastócitos e seus metabólitos (p. ex., N-metil-histamina de 24 horas, prostaglandina D2, leucotrieno E4) podem ser medidos no plasma e na urina; níveis elevados corroboram o diagnóstico de mastocitose, mas não necessariamente a mastocitose sistêmica. Cintilografia óssea e avaliação GI também podem ser úteis nos casos em que o diagnóstico exige confirmação.
Referência sobre diagnóstico
1. Adapted from Horny HP, Akin C, Arber DA, et al: Mastocytosis. In WHO (World Health Organization) Classification of Tumors of Hematopoietic and Lymphoid Tissues, edited by SH Swerdlow, E Campo, and NL Harris, et al, Lyon, IARC (International Agency for Research on Cancer) Press, 2017, p. 62.
Tratamento da mastocitose
Para a mastocitose cutânea, bloqueadores H1 e possivelmente psorelênicos com luz ultravioleta ou corticoides tópicos
Para mastocitose sistêmica e transtornos da ativação de mastócitos, bloqueadores H1 e H2, cromolina e cetotifeno, montelucaste, ácido acetilsalicílico
Para formas agressivas, midostaurina, avapritinibe, interferon alfa-2b, corticoides ou esplenectomia
Mastocitose cutânea
Os bloqueadores H1 são eficazes na eliminação dos sintomas. Crianças com as formas cutâneas não precisam de tratamento adicional, porque há remissão espontânea na maioria dos casos.
Já os adultos com as formas cutâneas podem ser tratados com psoraleno mais luz ultravioleta, ou com corticoides tópicos, uma ou duas vezes ao dia. O mastocitoma geralmente involui espontaneamente e não necessita de tratamento.Mastocitose sistêmica
O tratamento das reações anafiláticas inclui adrenalina parenteral, beta-agonistas inalatórios para sibilos e reposição de líquidos IV para hipotensão.
Deve-se tratar todos os pacientes com mastocitose sistêmica com bloqueadores H1 e H2 e devem levar uma seringa pré-preenchida com adrenalina autoinjetável. O ácido acetilsalicílico controla o rubor, mas pode aumentar a produção de leucotrienos, contribuindo assim para os sintomas relacionados aos mastócitos; não deve ser administrado a crianças em vista do risco da síndrome de Reye.
A administração de 200 mg de cromolina por via oral, 4 vezes ao dia (100 mg, 4 vezes ao dia, para crianças de 2 a 12 anos de idade; não exceder 40 mg/kg/dia), pode auxiliar prevenindo a desgranulação dos mastócitos. Cetotifeno, 2 a 4 mg, por via oral, duas vezes ao dia, também pode ser eficaz. Nenhum tratamento consegue reduzir a quantidade de mastócitos nos tecidos.
O omalizumabe é um anticorpo anti-IgE que às vezes é utilizado na asma moderada a grave e urticária crônica; algumas vezes, é usado em pacientes com mastocitose ou síndrome da ativação dos mastócitos para tentar prevenir a anafilaxia.
Em pacientes com uma forma agressiva de mastocitose, caracterizada por acúmulo aumentado de mastócitos em diferentes órgãos, levando à disfunção, pode-se usar os inibidores da multiquinase midostaurina ou avapritinibe (1), a fim de ajudar a controlar a lesão de órgãos-alvo, a citopenia e o acúmulo de mastócitos na medula óssea (2). As doses são
Midostaurina, 100 mg, por via oral, duas vezes ao dia
Avapritinibe, 200 mg, por via oral, uma vez ao dia
Alfa-2b-interferon por via subcutânea 4 milhões unidades, uma vez por semana, até o máximo de 3 milhões de unidades por dia induz a regressão das lesões ósseas. Corticoides (p. ex., prednisona, 40 a 60 mg por via oral, uma vez ao dia, durante 2 a 3 semanas) podem ser necessários como tratamento adjuvante para os casos graves. Algumas evidências limitadas sugerem que a esplenectomia pode melhorar a sobrevida em pacientes com doença agressiva.
Fármacos citotóxicos (p. ex., daunomicina, etoposida, 6-mercaptopurina) podem ser indicadas no tratamento de leucemia por mastócitos, mas sua eficácia não está comprovada. O uso de imatinibe (inibidor do receptor de tirosina quinase) pode ser útil em alguns pacientes, mas é ineficaz naqueles com mutação c-kit em D816V.
Síndrome de ativação de mastócitos
O tratamento visa prevenir a liberação do mediador (p. ex., com cromolina e/ou cetotifeno) e bloquear os efeitos do mediador com algum esquema de bloqueadores H1 e H2 para bloquear a histamina, ácido acetilsalicílico para bloquear prostaglandinas e montelucaste para bloquear os leucotrienos.
Deve-se evitar os gatilhos conhecidos.Referências sobre o tratamento
1. Radia D, Deininger M, Gotlib J, et al: Avapritinib, a potent and selective inhibitor of KIT D816V, induces complete and durable responses in patients (pts) with advanced systemic mastocytosis (AdvSM). EHA Library. 2019;267413:S830.
2. Gotlib J, Kluin-Nelemans HC, George TI, et al: Efficacy and safety of midostaurin in advanced systemic mastocytosis. N Engl J Med 374 (26):2530–2541, 2016. doi: 10.1056/NEJMoa1513098
Pontos-chave
Pacientes com mastocitose cutânea, normalmente crianças, normalmente manifestam exantema maculopapular difusa, muitas vezes com prurido, de cor salmão ou marrom.
A mastocitose sistêmica provoca lesões multifocais na medula óssea, geralmente em adultos, mas muitas vezes afeta outros órgãos.
Todos os tipos podem causar sintomas sistêmicos (mais comumente, rubor, mas, às vezes, reações anafilactoides).
Para mastocitose cutânea, usar bloqueadores de H1 para aliviar os sintomas e, em adultos, considerar o tratamento com psorelênicos mais luz ultravioleta ou corticoides tópicos.
Para a mastocitose sistêmica, use bloqueadores dos receptores H1 e H2 e, às vezes, cromolina e, para a mastocitose agressiva, considere o uso de midostaurina, avapritinibe, interferon alfa-2b, corticoides sistêmicos ou esplenectomia.
Na síndrome da ativação de mastócitos, o tratamento é voltado aos mediadores que são liberados durante a ativação; usam-se anti-histamínicos, inibidores de leucotrieno e estabilizadores de mastócitos.
Certificar-se de que todos os pacientes com mastocitose levem consigo uma seringa autoinjetável pre-preenchida com adrenalina.
Por
, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: out 2022