Nutrição no contexto do trauma e do paciente crítico
- claurepires
- 18 de mar.
- 4 min de leitura

Introdução
A nutrição é um componente essencial na recuperação de pacientes submetidos a trauma ou a procedimentos cirúrgicos. A resposta endócrino-metabólica e imunológica ao trauma, além da intervenção nutricional adequada, é fundamental para garantir a manutenção da homeostase, o processo de cicatrização e a prevenção de complicações graves. Este capítulo abordará os aspectos metabólicos, endócrinos e nutricionais associados ao trauma, destacando a importância de intervenções nutricionais oportunas e a adequação dos cuidados.
Resposta endócrino metabólica imunológica ao trauma (REMIT)
A REMIT é a resposta coordenada do organismo a lesões de natureza cirúrgica, traumática ou infecciosa, e tem três principais finalidades:
- Manter o fluxo sanguíneo adequado.
- Assegurar a oferta de oxigênio para tecidos e órgãos.
- Mobilizar substratos para fornecer energia e auxiliar no processo de cicatrização.
Lesões leves desencadeiam uma resposta temporária e autolimitada, com restauração rápida da homeostase. No entanto, lesões graves, como politraumatismos ou queimaduras extensas, podem resultar em uma resposta exacerbada, que compromete a função celular e orgânica, podendo evoluir para falência de múltiplos órgãos e óbito na ausência de intervenção adequada.
Alteraçõesmetabólicas, Endócrinas e Humorais Pós-Trauma Cirúrgico
O trauma desencadeia uma série de respostas coordenadas:
- Aumento da síntese e liberação de mediadores inflamatórios, como citocinas e prostaglandinas.
- Sinergismo entre o sistema nervoso, endócrino e imunológico.
- Ação de catecolaminas, cortisol e outros hormônios que estimulam processos como gliconeogênese e lipólise.
- Na maioria dos casos, essas respostas são autolimitadas, mas podem ser prolongadas em casos de trauma grave, levando a um estado de hipermetabolismo.
Metabolismo intermediário no período pós-prandial e em situações de jejum ou trauma
No período pós-prandial e em situações de trauma:
- Substratos como alanina e lactato são convertidos em glicose (ciclos de Felig e Cori).
- Ácidos graxos são mobilizados para produção de corpos cetônicos, especialmente em períodos de jejum prolongado.
- A proteólise é acelerada, liberando aminoácidos para a gliconeogênese e cicatrização.
Gasto Energético Basal e Aumento Metabólico Pós-Trauma
Pacientes em estado crítico, como após cirurgias ou traumas, apresentam aumento significativo do gasto energético basal (50-100%). A cada grau acima de 37°C, há um aumento de 6-10% na taxa metabólica basal (TMB), refletindo a hiperativação das vias metabólicas. Conforme as diretrizes da ASPEN/SCCM de 2022, recomenda-se iniciar a oferta calórica entre 12-25 kcal/kg nos primeiros 7 a 10 dias de internação na UTI, ajustando a oferta energética para evitar sobrecarga metabólica.
Mobilização de Aminoácidos e Catabolismo Proteico
A proteólise acelera a liberação de aminoácidos, principalmente alanina e glutamina, que são essenciais para a cicatrização e manutenção de funções metabólicas. A glutamina, além de servir como substrato para a gliconeogênese, é crucial para a função imunológica e para a manutenção da integridade da mucosa intestinal.
Balanço Nitrogenado Negativo
O balanço nitrogenado negativo ocorre quando há maior degradação de proteínas do que sua síntese, comum em situações de trauma ou jejum prolongado. Isso leva à eliminação aumentada de nitrogênio na urina, caracterizando um estado de catabolismo intenso. A oferta proteica recomendada para pacientes críticos permanece entre 1.2-2.0 g/kg/dia, podendo ser ajustada conforme a necessidade do paciente, especialmente em casos de trauma e queimaduras.
Proteínas de Fase Aguda
As proteínas de fase aguda são produzidas em resposta a inflamações e lesões teciduais, induzidas por mediadores como a IL-6. Elas funcionam como marcadores bioquímicos de lesão, incluindo proteína C reativa e fibrinogênio, que são essenciais para o processo inflamatório e cicatrização.
Resposta Endócrina e Humoral ao Trauma
O sistema nervoso central (SNC) regula a resposta ao trauma através de hormônios como catecolaminas, cortisol, ADH e glucagon, que controlam a mobilização de substratos e ajustam a resposta inflamatória e metabólica. O desequilíbrio desses hormônios pode resultar em hiperglicemia e catabolismo exacerbado.
Fases metabólicas no pós-operatório e pós-Trauma
- Fase Adrenérgica-Corticoide: Predomina nas primeiras semanas após trauma grave, com intensa mobilização de glicose e proteínas.
- Fase Anabólica Precoce: Caracteriza-se pela restauração do balanço nitrogenado e aumento da síntese proteica.
- Fase Anabólica Tardia: Dura meses a anos, com recuperação mais lenta de massa corporal magra e ganho de peso.
Terapia nutricional no paciente crítico
A terapia nutricional tem impacto positivo significativo na recuperação de pacientes submetidos a traumas ou cirurgias, auxiliando na manutenção da massa magra, controle da glicemia e prevenção de complicações metabólicas. As formas de terapia incluem:
- Nutrição Enteral (NE): Recomendada como primeira escolha sempre que possível, iniciando precocemente (em 24-48 horas após a admissão). A NE auxilia na manutenção da integridade da mucosa intestinal e reduz a translocação bacteriana, resultando em melhores desfechos clínicos.
- Nutrição Parenteral (NP): Indicada quando o trato gastrointestinal não é funcional, podendo ser introduzida após 7 dias se a NE não for viável. A suplementação com NP deve ser evitada nos primeiros 7 dias de internação, a menos que o paciente não consiga atingir as necessidades energéticas.
Pontos Importantes
- A REMIT visa assegurar a perfusão e a oferta energética em situações de trauma.
- O catabolismo proteico é intenso após traumas, com a mobilização de aminoácidos como alanina e glutamina.
- O aumento da TMB após trauma exige ajustamento das necessidades calóricas.
- A terapia nutricional precoce, especialmente via enteral, reduz complicações e melhora os desfechos clínicos.
- O suporte nutricional deve ser iniciado após estabilização hemodinâmica e ser monitorado para evitar complicações como a síndrome de realimentação.
Referências
1. Diretrizes de Suporte Nutricional para Pacientes em Estado Crítico - Associação Brasileira de Medicina Intensiva (AMIB).
2. Guidelines for the Provision and Assessment of Nutrition Support Therapy - American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN), 2022.
3. Nutritional Management in Critical Illness - Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN).
4. UpToDate: Critical Care Nutrition Guidelines and Recommendations.
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