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Scaffolds para uso em bioengenharia de vasos sanguíneos: quais são as perspectivas?


enxerto cardíaco


As doenças cardiovasculares são atualmente as principais causas de morbimortalidade no Brasil e no mundo.1,2Seu tratamento é multimodal e tem como um de seus alvos o combate à progressão de seu principal substrato fisiopatológico, a aterosclerose. Mudanças no estilo de vida, prescrição e uso de antiplaquetários, anticoagulantes e hipolipidêmicos, tratamento de comorbidades como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus e até revascularização de órgãos-alvo lato sensu são importantes no controle de sua evolução clínica. No entanto, muitos pacientes ainda apresentam evolução desfavorável da aterosclerose apenas com manejo clínico e tornam-se candidatos a procedimentos de revascularização. Assim, é fundamental a disponibilidade de substitutos vasculares para uso como enxertos, que podem ser autólogos ou sintéticos (artificiais). Por sua vez, as técnicas endovasculares com stents podem ser utilizadas para tratar estenoses ou oclusões de acordo com indicações clínicas específicas. Nas cirurgias de revascularização miocárdica, os enxertos mais utilizados são os de artérias torácicas internas, veias safenas magnas e artérias radiais.3Alguns estudos já demonstraram maior perviedade dos enxertos arteriais sobre os venosos a longo prazo4com desfechos clínicos importantes, notadamente diminuição de eventos cardiovasculares após o procedimento.


Entretanto, em aproximadamente 30% dos casos, os enxertos autólogos não estão disponíveis, seja por má qualidade ou por já terem sido utilizados anteriormente,5a existência de veias ou artérias com calibres inadequados para uso como substituto vascular, ausência de enxertos vasculares compatíveis com alvos coronarianos e infecção no sítio cirúrgico ou a distância que possa contaminar enxertos sintéticos,6comprometer os resultados cirúrgicos devido à revascularização incompleta3ou complicações e falhas após a revascularização. Em cirurgias vasculares envolvendo vasos de maior calibre, as opções de enxertos artificiais são mais difundidas e utilizadas, destacando-se o politetrafluoretileno expandido (ePTFE) e o polietileno tereftalato (PET ou Dacron). As principais vantagens são resistência para suportar a pressão arterial sistêmica, inércia do ponto de vista químico, grande variedade de extensões e calibres para adaptação ao território vascular a ser tratado e possibilidade de armazenamento para uso rápido.5


No entanto, existem desvantagens decorrentes do uso de enxertos vasculares artificiais. A endotelização lenta permite a exposição da superfície hidrofóbica endoluminal com adsorção de proteínas plasmáticas ao enxerto e subsequente ativação e agregação plaquetária com formação de trombo. Posteriormente, desenvolve-se uma resposta imune, com infiltração de macrófagos e expressão de citocinas inflamatórias que guiam a proliferação de células musculares lisas e o desenvolvimento de hiperplasia neointimal.5 No entanto, ainda existe uma lacuna fundamental a ser preenchida quando há necessidade de enxertos vasculares com diâmetros menores que seis milímetros em casos de indisponibilidade de enxertos autólogos. Tendo esse desafio a resolver, duas estratégias estão sendo mais comumente investigadas pela bioengenharia de enxertos.


Scaffolds biológicos, compostos de matriz extracelular derivada de tecidos biológicos descelularizados, são utilizados em condições tridimensionais naturais ou como matéria-prima para bioconstrução por engenharia de tecidos, na qual células-tronco são depositadas e induzidas à diferenciação celular apropriada. Esses scaffolds podem ser obtidos de tecidos animais ou de cadáveres e têm como vantagem a composição básica de proteínas da matriz extracelular, bioatividade e arquitetura natural do tecido em três dimensões.7,8Nesse sentido, Oliveira et al.9apresentam a perspectiva de usar vasos placentários bovinos para produzir biomateriais descelularizados como fonte de biomateriais vasculares como uma perspectiva futura para a engenharia de tecidos vasculares com resultados promissores. Por sua vez, existem os scaffolds de origem sintética, como o ácido poliglicólico e o ácido polilático, opções comercialmente disponíveis em que os enxertos são pré-fabricados a partir de polímeros naturais ou sintéticos,5fabricados tridimensionalmente ou tridimensionalmente bioimpressos (células e produtos de suporte são estruturados juntos), que têm a vantagem de não induzir reações imunogênicas.9 No entanto, a engenharia de tecidos ainda apresenta alguns desafios a serem superados para que alguns conceitos possam ser aplicados na prática clínica: capacidade replicativa limitada das células implantadas, perda da atividade da telomerase das células somáticas adultas, propriedades mecânicas diferentes das dos vasos nativos, biocompatibilidade e cinética de degradação e remodelação de enxertos in vivo,10capacidade limitada para promover o crescimento celular e para regular a extensão e a força da adesão celular, atividade de crescimento, diferenciação celular e maturação para o fenótipo desejado, inibir a inflamação e a proliferação neointimal, inibir a trombogenicidade, sustentar a produção de matriz extracelular e permitir o transporte seletivo de nutrientes através da parede do vaso.11 A transposição da pesquisa experimental para a pesquisa aplicada em humanos exige enfrentar muitas das dificuldades relatadas na pesquisa in vitro e na pesquisa experimental para chegar ao tratamento de doenças na prática clínica12finalmente. De qualquer forma, os inúmeros trabalhos científicos apresentados mundialmente demonstram um grande avanço no conhecimento da manipulação celular e bioengenharia de materiais, que podem ser projetados para serem multifuncionais e possivelmente programáveis, o que aponta para um futuro promissor a médio prazo.9A obra em questão corrobora essa afirmação.


Referências

  • 1Oliveira GM, Brant LC, Polanczyk CA, Malta DC, Biolo A, Nascimento BR, et al. Cardiovascular Statistics - Brazil 2021. Arq Bras Cardiol. 2022;118(1):115–373. doi: 10.36660/abc.20211012 » https://doi.org/10.36660/abc.20211012

  • 2Tsao CW, Aday AW, Almarzooq ZI, Alonso A, Beaton AZ, Bittencourt MS, et al. Atualização das estatísticas de doenças cardíacas e derrames em 2022: um relatório da American Heart Association. Circulação. 2022;145(8):e153–639. doi: 10.1161/CIR.0000000000001052 » https://doi.org/10.1161/CIR.0000000000001052

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  • 4Taggart DP, Benedetto U, Gerry S, Altman DG, Gray AM, Lees B, et al. Enxertos bilaterais versus únicos de artéria torácica interna em 10 anos. N Engl J Med. 2019;380(5):437–46. doi: 10.1056/NEJMoa1808783 » https://doi.org/10.1056/NEJMoa1808783

  • 5Moore MJ, Tan RP, Yang N, Rnjak-Kovacina J, Wise SG. Bioengenharia de vasos sanguíneos artificiais a partir de materiais naturais. Tendências Biotecnologia. 2022;40(6):693–707. doi: 10.1016/j.tibtech.2021.11.003 » https://doi.org/10.1016/j.tibtech.2021.11.003

  • 6Bertanha M. Perspectivas de uso de células-tronco em cirurgia vascular. J Vasc Bras. 2016;15(3):173–5. doi: 10.1590/1677-5449.006516 » https://doi.org/10.1590/1677-5449.006516

  • 7Bertanha M, Moroz A, Jaldin RG, Silva RA, Rinaldi JC, Golim MA, et al. Caracterização morfofuncional da veia cava descelularizada como scaffolds de engenharia de tecidos. Res. Célula Exp. 2014;326(1):103–11. doi: 10.1016/j.yexcr.2014.05.023 » https://doi.org/10.1016/j.yexcr.2014.05.023

  • 8Bertanha M, Moroz A, Almeida R, Alves FC, Valério MJ, Moura R, et al. Substituto de vasos sanguíneos por engenharia de tecidos pela reconstrução do endotélio usando células-tronco mesenquimais induzidas por fatores de crescimento plaquetário. J Vasc Surg. 2014;59(6):1677–85. doi: 10.1016/j.jvs.2013.05.032 » https://doi.org/10.1016/j.jvs.2013.05.032

  • 9Oliveira TS, Smirnow I, Santee KM, Miglino MA, Barreto RSN. Scaffolds Vasculares Descelularizados Derivados de Vasos Sanguíneos de Placenta Bovina. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20220816 Arq Bras Cardiol. 2023; 120(6):e20220816. » https://doi.org/10.36660/abc.20220816

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  • 11Williams SK, Birla RK. Soluções de engenharia de tecidos para substituir a função contrátil durante a cirurgia cardíaca pediátrica. Célula De Tecido. 2020;67:101452. doi: 10.1016/j.tice.2020.101452 » https://doi.org/10.1016/j.tice.2020.101452

  • 12Song HH, Rumma RT, Ozaki CK, Edelman ER, Chen CS. Engenharia de Tecido Vascular: Progresso, Desafios e Promessa Clínica. Célula Tronco Célula. 2018;22(3):340–54. doi: 10.1016/j.stem.2018.02.009 » https://doi.org/10.1016/j.stem.2018.02.009

  • 13Garcia LR, Polegato BF, Zornoff LA. Desafios da Ciência Translacional. Arch Bras Cardiol. 2017;108(5):388–9. doi: 10.5935/abc.20170061 » https://doi.org/10.5935/abc.20170061



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