1 - Qual é o conceito de Artrite Reumatoide?
A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença inflamatória sistêmica do tecido conjuntivo, crônica e progressiva, que acomete estruturas articulares, periarticulares e tendinosas, com sinais de inflamação, principalmente na membrana sinovial.
2 - Qual é epidemiologia da Artrite Reumatoide?
A AR é uma das artrites inflamatórias mais comuns. Registra-se a ocorrência dessa doença em cerca de 0,5%–1% da população mundial adulta, em todos os grupos étnicos, predominando no gênero feminino (3 ♀: 1 ♂) e na faixa etária entre 30-50 anos.
3 - Como ocorrem o desenvolvimento e a progressão da Artrite Reumatoide?
Tanto os fatores de risco genéticos e os “não genéticos” contribuem para o desenvolvimento da AR, e múltiplos fatores de risco são necessários antes que se atinja um limiar acima do qual a AR é desencadeada. A progressão da doença envolve o começo e a propagação da autoimunidade contra antígenos próprios modificados, que podem ocorrer anos antes da sinovite subclínica (inflamação da sinóvia) e sintomas clínicos da AR.
4 - Qual a fisiopatogenia da Artrite Reumatoide?
5 - Como se caracteriza o quadro clínico da Artrite Reumatoide?
A doença, geralmente, instala-se de maneira insidiosa e progressiva. Como a AR é uma doença sistêmica, sintomas gerais como febre, astenia, fadiga, mialgia e perda ponderal podem preceder ou acompanhar o início das manifestações articulares.
Em relação às manifestações articulares, a característica básica da AR é a inflamação da sinóvia (sinovite), podendo acometer qualquer uma das articulações diartrodiais do corpo. A queixa clínica é de dor, edema e limitação dos movimentos das articulações acometidas. Ao exame físico, observa-se presença de dor, aumento de volume das articulações, derrame intra-articular, calor e, eventualmente, rubor.
São características da artrite na AR:
Mãos edemaciadas, dor musculoesquelética, tendinites;
Rigidez matinal ou após repouso: 30-45 minutos;
Artrite aditiva e simétrica;
Artrite em mãos e punhos, seguida de grandes articulações.
6 - Como se caracterizam as deformidades articulares clássicas em mãos e punhos da Artrite Reumatoide?
O acometimento de punhos, metacarpofalangeanas (MCF) e interfalangeanas proximais (IFP) é frequente, desde o início do quadro. As articulações interfalangeanas distais (IFD) podem ser comprometidas, mas geralmente são poupadas - o que é útil para diferenciar a AR de outras condições como a osteoartrite e a artrite psoriásica. As deformidades podem se estabelecer nas fases mais avançadas, sendo as mais típicas, o desvio ulnar das MCF e radial dos punhos, o dedo em pescoço de cisne (hiperextensão da IFP e flexão da IFD), o dedo em botoneira (flexão da IFP e hiperextensão da IFD) e o dedo em martelo (flexão da IFD).
7 - Como se caracteriza o acometimento de outras articulações na Artrite Reumatoide?
Joelhos:
- Precoce, com derrame;
- Posição antálgica de semiflexão;
- Deformidade em varo ou valgo.
Cotovelos: semiflexão.
Quadris, ombros, ATM, cricoaritenoides, coluna cervical*.
Pés e tornozelos:
- Metatarsofalangeanas e tarso
- Desabamento do arco plantar anterior: pé plano e calosidades plantares
- Hálux valgo
8 - Quais as manifestações extra-articulares da Artrite Reumatoide?
Embora as manifestações articulares sejam as mais características, a AR pode acometer outros órgãos e sistemas. As manifestações extra-articulares mais frequentes incluem quadros cutâneos, oculares, pleuropulmonares, cardíacos, hematológicos, neurológicos e osteometabólicos. São mais observadas em pacientes com doença grave e poliarticular, sorologia positiva para fator reumatoide (FR) ou anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) e com nódulos reumatoides.
São manifestações extra-articulares da AR:
Nódulos subcutâneos: presentes em 30% dos pacientes com AR (95% são FR positivos); frequentemente observados em zonas de atrito.
Manifestações oculares: as mais frequentes são ceratoconjuntivite sicca* (associada à Síndrome de Sjogren), episclerite e esclerite.
Manifestações respiratórias: a mortalidade por doenças respiratórias é 2 vezes maior na população com AR do que na população geral. As mais comuns são:
- Fibrose intersticial: predomínio em bases
- Nódulos pulmonares: solitários ou múltiplos; síndrome de Caplan (presença de nodulose pulmonar em pacientes com pneumoconiose (mineradores
de carvão)
- Derrame pleural: líquido pleural com baixos níveis de glicose
- Bronquiolite obliterante: rara
Manifestações cardíacas: derrames pericárdicos assintomáticos (50%); pericardite sintomática: rara
Manifestações renais: glomerulonefrite mesangial, geralmente sem expressão clínica
Vasculite: a vasculite reumatoide é uma manifestação rara, geralmente em pacientes com FR positivo. As manifestações incluem: neuropatia periférica, vasculite cutânea (púrpura palpável, úlceras em MMII, infartos periungueais, necrose de extremidades) e raramente vasculite de vasos coronarianos, mesentéricos, cranianos e renais.
9 - Qual a relação entre Artrite Reumatoide e doença cardiovascular?
Cada vez mais a doença cardiovascular está sendo reconhecida como a principal causa do excesso de mortalidade na AR, inclusive como causa de mortalidade precoce. A AR é considerada um fator de risco independente para doença coronariana. Deve-se atentar para os fatores de risco cardiovasculares tradicionais e para aqueles associados diretamente à doença, como a inflamação sistêmica e uso de alguns medicamentos. Outro aspecto importante é sobre o tabagismo, pois sabe-se que está relacionado a maior risco de doença cardiovascular, maior gravidade da doença e menor resposta ao tratamento.
10 - Como se caracteriza a Síndrome de Felty?
A síndrome de Felty é uma condição relatada em pacientes com doença grave e de longa duração, além de fator reumatoide positivo. Originalmente foi descrita como a combinação de AR, esplenomegalia, leucopenia e úlceras em membros inferiores, ocorrendo também linfadenopatia e trombocitopenia. Há associação com nódulos reumatoides, sendo a incidência de linfomas de Hodgkin mais elevada nesse grupo de pacientes.
11 - Como é feito o diagnóstico da Artrite Reumatoide?
O diagnóstico da AR é eminentemente clínico e requer a reunião de aspectos da anamnese, do exame físico e dos exames complementares. Em pacientes com sinais e sintomas clássicos de AR estabelecida, o diagnóstico é facilitado, enquanto em pacientes com doença inicial, o diagnóstico pode ser difícil.
12 - Quais os achados laboratoriais que podem ser encontrados na Artrite Reumatoide?
Os exames laboratoriais na AR são úteis para a elaboração diagnóstica e para monitoramento da atividade de doença. Algumas alterações que podem ser encontradas são:
Anemia normocrômica/normocítica ou hipocrômica
Leucocitose, trombocitose
↑ferritina
↑VHS e PCR: atividade e evolução
13 - Quais os autoanticorpos utilizados no diagnóstico da Artrite Reumatoide?
Na avaliação complementar dos pacientes com AR, a titulação de autoanticorpos como fator reumatoide (FR) (sensibilidade de 70-80% e especificidade de 80%) e a detecção de anticorpos contra peptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) (sensibilidade de 70-80% e especificidade de 95%) têm importância diagnóstica e prognóstica. A dosagem de anti-CCP não é um exame obrigatório, mas pode auxiliar em casos de dúvida diagnóstica, geralmente sendo reservada para casos em que o FR é negativo.
Fator reumatoide:
nefelometria
70-80% dos pacientes
IgM, IgG, IgA
Se negativo, não exclui a doença
Antiproteínas cíclicas citrulinadas (ACPA):
+ específicos para AR: acima de 90%
Diagnóstico em fases precoces, indicadores de progressão e prognóstico
Anticorpo antinuclear (FAN):
30-40% dos pacientes com AR
Exclusão de LES
Síndrome de Sjogren: anti-Ro e anti-La
14 - Quais os métodos de imagem utilizados no diagnóstico da Artrite Reumatoide?
Diversos métodos de imagem são utilizados na avaliação da Artrite Reumatoide, sendo os principais a radiografia convencional, a ultrassonografia e a ressonância magnética.
Radiografias convencionais:
Simetria
Osteopenia
↑de partes moles
↓do espaço articular
Erosões
Cistos ósseos ou geodas
Deformidade e instabilidades
Ultrassonografia (US):
Articulação: sinovite, derrame, erosões
Cartilagem, superfície óssea, bainhas tendinosas e proliferação sinovial
Doppler colorido: vascularização sinovial
Ressonância magnética (RM):
Volume do tecido sinovial hipertrofiado
Edema ósseo: precoce e reversível
Sinovite
Erosão óssea
15 - Quais os critérios de classificação auxiliam no diagnóstico da Artrite Reumatoide?
O diagnóstico de AR deve ser feito com base em achados clínicos e exames complementares. Nenhum exame isolado, seja laboratorial, de imagem ou histopatológico, confirma o diagnóstico. Critérios de classificação como aqueles estabelecidos pelo American College of Rheumatology - ACR 1987 e pela ACR/European League Against Rheumatism -ACR/EULAR 2010 auxiliam no processo diagnóstico.
A presença de quatro ou mais critérios por um período maior ou igual a 6 semanas é sugestivo de AR. Contudo, os critérios de 1987 vinham sendo questionados por não se aplicarem às fases iniciais da doença, o que retardava o início de tratamento em momento mais oportuno. Ou seja, uma parcela dos pacientes com AR possuía menos de quatro critérios presentes, tendo frequentemente o tratamento postergado. Dessa forma, em 2010, foram publicados novos critérios de classificação.
Os critérios do ACR/EULAR de 2010 se baseiam em um sistema de pontuação a partir um escore de soma direta. Uma pontuação maior ou igual a 6 classifica um paciente como tendo AR. Cabe ressaltar que os novos critérios de 2010 não são diagnósticos, mas, sim, classificatórios. Esses critérios foram desenvolvidos com o objetivo de definir populações homogêneas para a finalidade de estudo; porém, podem ser úteis para auxiliar no diagnóstico clínico. Em comparação com os critérios do ACR de 1987, essa classificação aumenta a sensibilidade do diagnóstico e permite identificar os casos mais precocemente. É importante salientar que os critérios de 2010 têm por objetivo classificar pacientes com manifestações recentes da doença. Pacientes com doença erosiva típica de AR e história compatível com preenchimento prévio dos critérios de 2010 devem ser classificados como tendo AR. Para que possam ser aplicados, deve haver evidência de sinovite clínica ativa no momento do exame em pelo menos uma articulação, não explicada por outra doença.
16 - Qual a importância da janela de oportunidade terapêutica no manejo da Artrite Reumatoide?
A generalização do conceito de AR inicial ou precoce e da existência de uma janela de oportunidade terapêutica - período no qual a instituição de terapia adequada para a doença determinaria melhora clínica - firmaram a noção de que diagnóstico e tratamento precoces podem modificar o curso da doença. O período inicial da doença, principalmente os doze primeiros meses (AR inicial), configura uma janela de oportunidade terapêutica, isto é, um momento em que a intervenção farmacológica efetiva pode mudar o curso da doença.
17 - Como deve ser feito o tratamento da Artrite Reumatoide?
O tratamento da AR deve incluir educação dos pacientes e familiares sobre a doença, uso de medicamentos específicos, terapias físicas (fisioterapia, terapia ocupacional), apoio psicossocial e, quando necessário, infiltrações intra-articulares e procedimentos cirúrgicos.
18 - Quais são os aspectos mais relevantes do tratamento da Artrite Reumatoide?
Abordagem multidiscplinar
Hábitos de vida (cessar tabagismo); identificar e tratar as comorbidades (osteoporose, doença plurimetabólica e risco cardiovascular, risco infeccioso); atualizar o cartão vacinal
Decisão compartilhada com o paciente
Cuidados pré-terapia imunobiológica:
Rastreamento para processos infecciosos estabelecidos ou latentes (especialmente tuberculose e hepatites virais)
Meta do tratamento: remissão ou baixa atividade de doença
19 - Quais são os índices compostos da atividade de doença (ICAD) utilizados na Artrite Reumatoide?
A AR pode ser classificada quanto à sua atividade de acordo com os sinais e sintomas apresentados pelo paciente. A avaliação da atividade da doença é fundamental, uma vez que define a conduta terapêutica e prognóstica e o sucesso do tratamento. A atividade é classificada em quatro níveis: alta, moderada, leve e em remissão.
Há diferentes instrumentos para classificação da atividade da doença, sendo os mais usados o SDAI (Simplified Disease Activity Index), CDAI (Clinical Disease Activity Index) e DAS-28 (Disease Activity Score 28). A avaliação da atividade deve ser feita, preferencialmente, em todas as consultas em caso de pacientes com AR. Esses três instrumentos são validados e internacionalmente empregados. A escolha fica a critério do profissional da saúde, contudo, para um mesmo paciente deve ser empregado o mesmo instrumento para permitir a comparabilidade dos resultados. Os pontos de corte para a definição da atividade estão apresentados na tabela abaixo.
20 - Como é feito o tratamento medicamentoso da Artrite Reumatoide?
O tratamento medicamentoso de AR inclui o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINE), glicocorticoides, medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD) - sintéticos e biológicos - e imunossupressores. Corticoides e AINE podem ser utilizados em associação aos medicamentos específicos, por curto intervalo de tempo (fases iniciais do tratamento, períodos de agudização/recidiva).
As medicações atualmente utilizadas para tratamento da AR no Brasil são as seguintes:
MMCD sintéticos convencionais: metotrexato, leflunomida, antimaláricos (difosfato de cloroquina e hidroxicloroquina) e sulfassalazina;
MMCD biológicos: anti-TNF (adalimumabe, certolizumabe pegol, etanercepte, golimumabe, infliximabe), bloqueador da coestimulação do linfócito T (abatacepte), antirreceptor IL 6 (tocilizumabe), anti-CD 20 (rituximabe);
MMCD sintético alvo específico: tofacitinibe.
21 - Quais as recomendações da Sociedade Brasileira de Reumatologia em relação à sequência de tratamento da Artrite Reumatoide (primeira linha, segunda linha e terceira linha)?
Entre os MMCD sintéticos para o tratamento de AR, o metotrexato é o medicamento padrão, devendo ser iniciado tão logo o diagnóstico seja definido. Em revisões sistemáticas, o metotrexato foi seguro e eficaz na redução de sintomas, na incapacidade funcional e no dano estrutural, sendo semelhante à leflunomida e superior a outros MMCD sintéticos. Para otimizar seu perfil de segurança, este fármaco deve ser utilizado preferencialmente com ácido fólico.
De maneira geral, os MMCD biológicos reduzem a inflamação articular, o dano estrutural e a incapacidade funcional e melhoram a qualidade de vida e, possivelmente, a fadiga. Não há dados suficientes sobre comparações diretas entre agentes biológicos que permitam definir a superioridade de um agente sobre o outro. Os MMCD biológicos não devem ser prescritos de forma associada entre si pelos riscos de eventos adversos graves. Há risco de aumento de infecções graves em pacientes com AR tratados com MMCD biológicos
22 - Comente resumidamente sobre o prognóstico e qualidade de vida na Artrite Reumatoide.
O prognóstico da AR está atrelado à rapidez do diagnóstico e resposta ao tratamento. Fatores que sugerem um pior prognóstico articular e funcional incluem início precoce ou tardio da doença, grande número de articulações envolvidas, marcadores inflamatórios elevados, positividade de autoanticorpos (FR e anti-CCP), tabagismo, presença de nódulos reumatoides e aparecimento precoce de erosões radiológicas, além de falha aos tratamentos convencionais. Questionários que avaliam a qualidade de vida e incapacidade relacionada à AR, como o HAQ (Health Assessment Questionnaire) também devem ser empregados e utilizados no direcionamento da decisão terapêutica. Medidas de bem-estar geral (exercícios/sono/nutrição/meditação/conectividade social) devem ser estimuladas.