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Anemias Hipoproliferativas




1 – Qual a definição de Anemia?


Anemia é definida como o estado em que a concentração de hemoglobina encontra-se abaixo da média considerada normal para a raça, o sexo, a idade e a altitude em que o individuo se encontra. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os limites mínimos ao nível do mar são 12g/dL para mulheres e 13g/dL para homens (Tabela 1).

A dosagem de hemoglobina possui maior acurácia quando comparada ao hematócrito e à contagem de hemácias, deve, portanto, ser a medida de escolha utilizada para o diagnóstico de anemia.



2 – O que é Hematopoiese?


Hematopoiese (ou hematopoese) é o processo de formação das células sanguíneas. A medula óssea é o órgão produtor das células sanguíneas. Até os cinco anos de idade, a medula de todos os ossos participa deste processo. Com o passar dos anos ocorre uma substituição gordurosa na medula dos ossos longos e, na idade adulta, somente os ossos da pelve, o esterno, os ossos do crânio, os arcos costais, vertebras e as epífises femorais e umerais são capazes de produzir células sanguíneas. Medula óssea vermelha é a medula com atividade hematopoiética. A medula óssea ou amarela, preenchida por tecido adiposo, encontra-se presente nos ossos e não possui atividade hematopoiética.

3 – O que são Reticulócitos?


Os reticulócitos são as células precursoras da hemácia representando 0,5 a 2% do total de células circulantes (ou nº absoluto entre 40.000 e 100.000/mm³). O valor de reticulócitos pode ser expresso em número absoluto ou relativo (porcentagem).


A contagem de reticulócitos é muito útil para diferenciar anemia hipoproliferativas (carenciais, distúrbios medulares) de anemias hiperproliferativas (hemolítica ou sangramento agudo).


Atenção: Devemos corrigir rotineiramente o percentual reticulocitário pelo grau de anemia, isto porque, em valor percentual o nº de reticulócitos pode ser superestimado em um paciente anêmico:


Primeira correção: Índice de Reticulócitos Corrigido (IRC)

IRC = Htc/40 x % reticulócitos ou

Hb/15 x % de reticulócitos


Outra fórmula que pode ser utilizada é o cálculo do número de reticulócitos absoluto:


RETICULÓCIO ABSOLUTO = % DE RETICULÓCITOS X CONTAGEM DE HEMÁCIAS/ 100

  • Quando o reticulócitos é expresso em número absoluto não é necessário este cálculo.

Segunda correção: em caso de hematócrito<30%: Índice de Produção Reticulocitária (IPR) – Basta dividir o IRC por 2.

4 – Qual a importância da Eritropoetina?

A eritropoetina é um hormônio produzido pelo parênquima renal (células tubulares proximais), em resposta à hipóxia tecidual, que estimula a diferenciação dos precursores eritroides em eritroblastos. O eritroblasto, aos poucos, vai sofrendo a expulsão do núcleo para formar a hemácia normal. Neste processo teremos um estágio que antecede imediatamente o eritroide e que ainda conserva ribossomas no citoplasma, ricos em RNA, sendo esta célula chamada de reticulócito. O reticulócito dura um dia na circulação e, então, perde o material basofílico citoplasmático e se transforma na hemácia. A hemácia circula por 100 a 120 dias, quando é retirada da circulação por macrófagos do tecido reticuloendotelial do baço.

5 – Como o organismo responde fisiologicamente à Anemia?

A capacidade de adaptação depende da velocidade de instalação da anemia, de sua intensidade, da idade do paciente e de suas condições clínicas, sobretudo em relação ao aparelho cardiovascular. Muitos dos sinais e sintomas da anemia decorrem desses mecanismos.

Quando a anemia se desenvolve lentamente ocorre:

  • Aumento do volume plasmático;

  • Aumento da 2,3-DPG que favorece a liberação do oxigênio nos tecidos;

  • Vasodilatação periférica, com redução da resistência vascular periférica e queda da pressão arterial, sobretudo a diastólica;

  • Aumento do débito cardíaco (em anemia intensa);

  • Aumento da frequência cardíaca.

Nos quadros agudos não há tempo para compensações. A redução do intravascular leva a hipotensão postural, queda do débito cardíaco, desvio do sangue da pele para outros órgãos, dispneia e choque.

6 – Quais são os sintomas das Anemias?


As manifestações clínicas (Tabela 2) da síndrome anêmica podem estar relacionadas a 5 fatores principais

  1. Hipóxia tecidual.

  2. Mecanismos fisiológicos compensatórios.

  3. Hipotensão secundária a sangramentos agudos.

  4. Achados secundários à lise de eritrócitos, nas anemias hemolíticas.

  5. Outros achados relacionados à doença de base causadora da anemia.

7 – Como iniciar a investigação das Anemias?


A história clínica é a base da investigação das anemias. O início da anemia, a duração dos sintomas, hábitos alimentares, alteração de hábitos intestinais, história familiar, social, medicamentosa e ocupacional, podem trazer dados que levarão ao diagnóstico da anemia. No sexo feminino a história ginecológica é muito importante, sendo relevantes dados como laqueadura tubária, fluxo menstrual aumentado, presença de coágulos, abortos ou gestações com curto intervalo de tempo.

8 – Alguns dados do exame físico podem sugerir Anemia?


Sim, os principais são:

  • Presença de icterícia – anemia hemolítica, doença hepática.

  • Esolenomegalia – anemia hemolítica, doença linfoproliferativa, mielofibrose, hiperesplenismo.

  • Púrpura, petéquias, equimoses – sangramento, doenças linfoproliferativas.

  • Queilite angular, glossite atrófica, coiloniquia, esclera azulada, membrana esofagiana com disfagia (síndrome de Plummer-Vinson ou Paterson-Kelly) – sinais de anemia ferropriva

  • Perda de sensibilidade vibratória e posição segmentar – deficiências de vitamina B12

9 – Qual deve ser a avaliação laboratorial inicial?


A avaliação laboratorial inicial deve incluir hemograma, contagem de reticulócitos e análise do sangue periférico (hematoscopia).

- HEMOGRAMA COMPLETO (alguns autores utilizam o termo “completo” para designar o hemograma que vem acompanhado da contagem de plaquetas):

  • Hemoglobina – mede a concentração do maior pigmento carreador de oxigênio do sangue total.

  • Hematócrito – porcentagem do sangue total ocupado pelas células vermelhas.

  • Contagem de hemácias – número de células vermelhas expresso em milhões por microlitro de sangue total.

  • Índices hematimétricos (quadro 1) – dão informações úteis a respeito do tamanho, forma e conteúdo das hemácias.

  • Contagem de leucócitos – Informações a respeito do número, aspecto morfológico e contagem diferencial dos glóbulos brancos.

  • Plaquetas – Podemos observar aumento ou redução das plaquetas:

-Trombocitopenia (plaquetas<150.000/mm³): hiperesplenismo, destruição autoimune, sepse, anemia aplásica, deficiência de cobalamina e ácido fólico.

- Trombocitose (plaquetas >400.000/mm³): comum na anemia ferropriva e em doenças mieloproliferativas.



10- Quais as alterações mais frequentemente encontradas na Hematoscopia?


A análise do sangue periférico é parte essencial da avaliação das anemias, podendo confirmar ou esclarecer os achados do hemograma. Podemos destacar a presença de hemácias de morfologia alterada (poiquilócitos) e algumas inclusões citoplasmáticas:

Poiquilócitos:

  • Macrovalócitos; encontrados na anemia megaloblástica

  • Drepanócitos (hemácias afoiçadas): típicas da anemia falciforme

  • Microesferócitos: encontrados na esferocitose hereditária e em algumas anemias hemolíticas autoimunes.

  • Esquizócitos (hemácias fragmentadas): as mais clássicas são os ceratócitos ou quertócitos (em formato de capacete), típicas das anemias hemolíticas microangiopáticas (CIVD< PTT< SHU< etc).

  • Equinócitos (hemácias crenadas): típicas da uremia.

  • Dacriócitos (hemácias em lágrima): característica de hematopoese extramedular, ocorre na mielofibrose, metaplasia mieloide agnogênica

  • Codócitos (hemácias em alvo): encontrada nas talassemias, outras hemoglobinopatias e hepatopatia.

  • Eliptócitos (hemácias de forma oval): são células típicas de eliptocitose hereditária, mas podem também ser encontradas, em menor número, nas anemias carenciais, nas talassemias e na mielofibrose

  • Estomatócitos (eritrócitos com o halo central semelhante a uma boca de peixe): são típicos da estomatocitose hereditária, porém também podem ser artefatuais ou encontrados nas hepatopatias.

  • Hemácias mordidas: características da deficiência de G6PD.

Inclusões citoplasmáticas:

  • Corpúsculo de Howell-Jolly (fragmentos nucleares não removidos pelo baço): hipoesplenismo

  • Corpúsculo de Heinz (hemoglobina precipitada): hemoglobinopatias, deficiência G6PD.

  • Corpúsculo de Pappenheimer (depósitos de ferro): anemia sideroblástica, hemoglobinopatia.

Achados diversos:

  • Neutrófilos hipersegmentados: encontrados nas anemias megaloblásticas.

  • Policromatofilia: caracteriza-se pelo número aumentado de eritrócitos recém-saídos da medula óssea, que se coram num tom azulado, refletindo a presença de reticulocitose, característica da hemólise e perda sanguínea aguda.

  • Leucoeritroblastose (eritroblastos e formas imaturas de leucócitos: invasão medular, fibrose.







11 – Como devem ser classificadas as Anemias?


A partir dos dados morfológicos (índices hematimétricos) e funcionais (contagem de reticulócitos).

12- Qual a classificação morfológica das Anemias?



13 – Qual a classificação funcional das Anemias?



14 – Como investigar as anemias normocíticas hipoproliferativas?


Na presença de contagem de reticulócitos normais ou diminuídos estamos frente a uma situação de hipoproliferação, e a pesquisa etiológica deve ser baseada nos achados clínicos do paciente. Segue abaixo um fluxograma com orientação dos passos a serem seguidos:


15 – Como proceder à investigação das Anemias Microcíticas?


A maioria das anemias microcíticas (VCM<80fl) é devido à deficiência de ferro ou distúrbios de sua utilização. Elas podem cursar com reticulócitos elevados, diminuídos ou normais.

16 – O que fazer após a classificação funcional das Anemias Microcíticas?


Realizar o estudo da cinética do ferro para avaliar a sua disponibilidade para a síntese da hemoglobina. Este estudo inclui:

  • Ferro sérico.

  • Transferrina sérica.

  • Capacidade de Ligação da Transferrina ao ferro (TBIC)

  • Índice de Saturação da Transferrina (IST)

  • Ferritina sérica

17 – Quais os valores de referência para os componentes da cinética do ferro e em quais situações clínicas podem estar alterados?


Os valores de referência e as situações clínicas em que se encontram alterados seguem abaixo:



18 – Como investigar as Anemias Macrocíticas?


A pesquisa deve ser dirigida principalmente para as deficiências de folato e vitamina B12. Abaixo um fluxograma considerando VCM>100 fl e contagem de reticulócitos:



19 – Qual a definição para Anemia Ferropriva?


Anemia secundária à depleção dos estoques de ferro do organismo. É a causa mais comum de anemia.

20 – Quais as principais causas de deficiência de ferro?



21 - Quais são as manifestações clínicas da Anemia Ferropriva?


Os sinais e sintomas do estado ferropênico podem ser divididos em: Relacionados à anemia e relacionados à ferropenia em si.

  • Sinais e sintomas da anemia: A anemia ferropriva é de instalação insidiosa, os sintomas demoram a se tornar pronunciados. São eles:

Astenia, insônia, palpitações, cefaleia, palidez cutâneo mucosa, sopro sistólico, insuficiência cardíaca.

  • Sinais e sintomas de ferropenia (independentes de anemia): Glossite, queilite angular, unhas quebradiças, coiloniquia, escleras azuladas, esplenomegalia (15%), síndrome das pernas inquietas, perversão do apetite (pica) - desejo de comer alimentos de baixo valor nutricional, síndrome de Plummer-Vinson ou paterson-Kelly - gera disfagia pela formação de uma membrana fibrosa na junção entre a hipofaringe e o esôfago. Irritabilidade e anorexia são mais comuns nas crianças.

22 - Quais são os estágios de deficiência de ferro?

  • Depleção dos estoques de ferro: FERRITINA BAIXA, sem anemia.

  • Eritropoiese deficiente em ferro: Ferritina sérica baixa; Ferro sérico baixo; IST baixo; aumento TIBC, sem anemia

  • ANEMIA FERROPRIVA: Ferritina sérica baixa; Ferro sérico baixo; IST baixo; aumento TIBC; Hb baixa. Microcitose e hipocromia + anemia

23 - Como distinguir Anemia Ferropriva das Talassemias?


Alguns exames laboratoriais podem auxiliar na distinção entre anemia ferropriva e talassemias (tabela 4):



24 – Como se trata a Anemia Ferropriva?


Com a reposição de sulfato ferroso oral, antes das refeições (300 mg três vezes ao dia). Deve ser mantido seis meses depois da normalização do hemograma ou ferritina >50 ng/dL, para restaurar os estoques. A reposição parenteral pode ser a opção em pacientes que não toleram a reposição oral, não aderem a ela ou tenham doença gastrintestinal que impeça a absorção.

25 – Como avaliar a resposta ao tratamento da Anemia Ferropriva?

  1. Melhora dos sintomas de fadiga na primeira semana.

  2. Reticulocitose – aumenta com 4-5 dias e faz pico reticulocitário por volta de 7-10 dias.

  3. Hemoglobina – aumenta em uma semana e normaliza em 4 a 6 semanas.

26 – Que são anemias Megaloblásticas?


Anemia causada por defeitos na síntese de DNA, lentificando a divisão celular com desenvolvimento citoplasmático normal – resulta em células grandes, com dissociação núcleo-citoplasma (MEGALOBLASTOSE).

27 – Quais são as principais causas de deficiência de vitamina B12?


  • Dietética: rara, exceto em vegetarianos estritos (não comem inclusive peixe).

  • Prejuízo à liberação da vitamina do alimento: Acloridria (inibidor de bomba de prótons) e gastrectomia parcial.

  • Redução da produção do fator intrínseco:


  • Anemia perniciosa: doença autoimune com produção de anticorpos anti-fator intrínseco e anti-células parietais gástricas. Ocorre gastrite atrófica e não há produção do fator intrínseco pelas células parietais gástricas, indispensável pela absorção da vitamina B12.

  • Gastrectomia total.

  • Ausência congênita do fator intrínseco

    • Consumo de vitamina B12 na luz intestinal: gastrectomia e infestação por Diphyllobothrium latum.



  • Desordens do íleo terminal/pâncreas: Ressecção ileal, doença de Crohn, outras ileopatias (actínica, celíaca), insuficiência pancreática.



  • Drogas: Colchicina, neomicina, metformina.


28- Quais são as principais causas de deficiência de folato?


  • Deficiência de ingestão: Alcóolatras, adolescentes, anoréticos, não ingerem frutas ou vegetais frescos.

  • Defeitos de absorção: fenitoína, barbituratos, Espru Tropical, doença celíaca.

  • Aumento das necessidades: gravidez, anemias hemolíticas, doenças cutâneas esfoliativas.

  • Diálise: elimina folato.

  • Prejuízo no metabolismo:


  • Inibidores da Dihidrofolato redutase: metotrexato, pirimetamina, pentamidina e trimetropim.

  • Álcool.

  • Deficiências enzimáticas.

29 - Quais os sintomas das Anemias Megaloblásticas?


As anemias megaloblásticas cursam, além dos sintomas habituais de anemia, com alterações na língua (glossite atrófi ca). Pode haver anorexia, perda de peso e febre. Na defi ciência de vitamina B12 é comum o surgimento de sintomas neurológicos (neuropatia, com parestesias em mãos e pés; alterações do eq

30. Quais os achados laboratoriais das Anemias Megaloblásticas?


A anemia megaloblástica pode ser de intensidade variável, mas sempre com VCM elevado, entre 100-140 fl . O esfregaço com macro-ovalócitos e neutrófi los hipersegmentados é importante para o diagnóstico. O VCM eleva-se precocemente, às vezes antes da queda do hematócrito. A eritropoese inefi caz, com destruição de precursores de eritrócitos pode levar a falsa anemia hemolítica, com elevação de bilirrubinas indireta e LDH, mas os reticulócitos não se elevam. Quando a medula óssea é avaliada ela se mostra com hiperplasia eritroide e alterações megaloblástica nas três séries mieloides.

31- Qual o tratamento das Anemias Megaloblásticas?

• Defi ciência de B12 Vitamina B12 1000 mcg intramuscular: diariamente, por duas semanas, depois semanal até normalização do hematócrito e depois mensalmente, pelo resto da vida na anemia perniciosa ou enquanto persistir a causa nas outras etiologias. • Defi ciência de folato Ácido fólico 1 mg/dia por via oral por quatro a oito semanas ou enquanto persistir a causa. • Resposta ao tratamento: - Pico reticulocitário em 7 a 10 dias. - Melhora da anemia com 2 meses.

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