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Bloqueadores Neuromusculares: efeitos clínicos e uso prático



mão de médico com injeção , ao fundo desfocada uma engermeira auxiliar

 

 Introdução

 

Os bloqueadores neuromusculares (BNM) são fármacos amplamente utilizados na prática anestésica para promover relaxamento muscular adequado durante procedimentos cirúrgicos, facilitar a intubação orotraqueal e otimizar a ventilação mecânica em pacientes críticos. Eles atuam na junção neuromuscular, impedindo a transmissão do impulso nervoso para os músculos esqueléticos, garantindo condições adequadas para a realização de cirurgias com menor consumo de agentes anestésicos e melhor controle da resposta autonômica.

 

Existem dois principais tipos de BNM: despolarizantes e não despolarizantes (adespo-larizantes). Os despolarizantes mimetizam a ação da acetilcolina, provocando um bloqueio de curta duração, enquanto os não despolarizantes competem com a acetilco-lina pelos receptores, promovendo um bloqueio reversível e de duração variável. A escolha do bloqueador adequado depende de fatores como tempo cirúrgico, condição clínica do paciente e possibilidade de reversão do bloqueio.

 

 

 Fisiologia da Transmissão Neuromuscular

 

A transmissão neuromuscular ocorre na junção neuromuscular, onde os impulsos elétricos do nervo motor promovem a liberação de acetilcolina (ACh), um neuro-transmissor essencial para a contração muscular. Esse processo envolve os seguintes íons:

 

- Sódio (Na⁺): Responsável pela despolarização da membrana muscular.

- Potássio (K⁺): Participa da repolarização.

- Cálcio (Ca²⁺): Estimula a liberação de acetilcolina na fenda sináptica.

- Magnésio (Mg²⁺): Modula a liberação de acetilcolina.

 

A placa motora é a região da fibra muscular onde ocorre o contato com o axônio motor, formando a junção neuromuscular, composta por:

 

- Região pré-sináptica (axônio do nervo motor tipo alfa).

- Região pós-sináptica (fibras musculares/miócitos).

- Células de Schwann.

 

Os receptores nicotínicos da placa motora são divididos em:

 

- Adultos: Apresentam receptores nicotínicos juncionais.

- Neonatos e lactentes: Possuem receptores juncionais e extra-juncionais.

- Imaturos: Caracterizados pela substituição da subunidade épsilon por uma subu-nidade gama, aumentando a resistência aos BNM adespolarizantes.

 

 

 Classificação dos Bloqueadores Neuromusculares

 

Os bloqueadores neuromusculares são classificados de acordo com seu mecanismo de ação, duração de efeito e estrutura química.

 

 1. Classificação por Mecanismo de Ação

 

 1.1. Bloqueadores Despolarizantes

 

- Agem ativando os receptores nicotínicos, provocando uma despolarização sustentada, impedindo novas contrações.

- Exemplo: Succinilcolina.

- Caracterizam-se por início rápido e curta duração, mas não são reversíveis por inibido-res da acetilcolinesterase.

 

 1.2. Bloqueadores Não Despolarizantes (Adespolarizantes)

 

- Ligam-se competitivamente aos receptores nicotínicos sem ativá-los, impedindo a ação da acetilcolina.

- Exemplos: Rocurônio, Vecurônio, Pancurônio, Cisatracúrio, Atracúrio, Mivacúrio.

- Possuem diferentes tempos de duração e são reversíveis por inibidores da acetilcoli-nesterase ou Sugamadex (para aminoesteroides).

 

 2. Classificação por Duração de Ação

 

- Ação ultra curta (<8 min): Succinilcolina.

- Ação curta (8-20 min): Mivacúrio.

- Ação intermediária (20-50 min): Rocurônio, Vecurônio, Atracúrio, Cisatracúrio.

- Ação longa (>50 min): Pancurônio, Pipecurônio, Doxacúrio.

 

 3. Classificação por Estrutura Química

 

- Aminoesteroides: Rocurônio, Pancurônio, Vecurônio, Pipecurônio, Rapacurônio.

- Benzilisoquinolinas: Cisatracúrio, Atracúrio, Mivacúrio, Doxacúrio.

 

Essas classificações são essenciais para a escolha do agente mais apropriado para ca-da contexto clínico, considerando fatores como tempo cirúrgico, reversibilidade do blo-queio e efeitos colaterais.

 

 Farmacodinâmica e Farmacocinética

 

Os bloqueadores neuromusculares (BNM) apresentam características farmacocinéticas específicas que influenciam sua distribuição, metabolismo e eliminação.

 

- Hidrossolubilidade: Possuem baixo volume de distribuição, permanecendo pre-dominantemente no compartimento vascular, o que limita sua penetração em tecidos não musculares e reduz efeitos no sistema nervoso central.


- Cargas positivas (amônio quaternário): Essas cargas impedem a travessia pela barreira hematoencefálica, garantindo que os BNM não afetem diretamente a atividade cerebral, o que os diferencia dos anestésicos gerais.

- Metabolização:


  - Hepática: Aminoesteroides (Rocurônio, Pancurônio) são metabolizados no fígado, exigindo ajuste de dose em pacientes com insuficiência hepática.


  - Hidrolisados por esterases plasmáticas: Succinilcolina e Mivacúrio sofrem hidró-lise rápida por colinesterases plasmáticas, resultando em bloqueio de curta duração.


  - Eliminação renal: Benzilisoquinolinas como Cisatracúrio e Atracúrio são excreta-das predominantemente pelos rins, podendo ter efeito prolongado em pacientes com insuficiência renal.


  - Degradação espontânea (via de Hoffman): Atracúrio e Cisatracúrio sofrem degra-dação química independente da função hepática ou renal, tornando-os ideais para paci-entes críticos.

 

 Efeitos clínicos e uso prático

 

Os bloqueadores neuromusculares são utilizados para:

 

- Facilitação da intubação orotraqueal.

- Otimização do relaxamento muscular em cirurgias.

- Ventilação mecânica em pacientes críticos.

 

Os recém-nascidos e lactentes apresentam resistência aos BNM adespolarizantes devido à baixa quantidade de fibras musculares tipo 1 e maior presença de receptores imaturos.

 

Já em pacientes queimados, acamados ou denervados, pode ocorrer migração extrajuncional dos receptores nicotínicos, aumentando o risco de hiperpotassemia severa quando a succinilcolina é utilizada.

 

 

 Complicações dos Bloqueadores Neuromusculares

 

1. Hipertermia Maligna:

 

   - Complicação grave associada ao uso de succinilcolina.

   - Caracterizada por rigidez muscular, aumento de CO₂ expirado (EtCO₂), acidose me-tabólica, taquirritmias e hipertermia intensa.

   - Tratamento: Dantrolene, resfriamento agressivo e suporte hemodinâmico.

 

2. Bloqueio Neuromuscular Residual:

 

   - Ocorre quando o paciente não recupera totalmente a função muscular após a anes-tesia.

   - Pode levar a insuficiência respiratória e dificuldade de extubação.

 

3. Hipotensão e Bradicardia:

 

   - Ocorrem principalmente com benzilisoquinolinas (Atracúrio, Cisatracúrio), devi-do à liberação de histamina.

 

4. Hiperpotassemia:

 

   - Uso de succinilcolina em pacientes queimados, politraumatizados ou com imobili-zação prolongada pode causar aumento crítico do potássio sérico.

 

 

 Reversão do Bloqueio Neuromuscular

 

A reversão do bloqueio neuromuscular é um processo essencial para garantir a recupe-ração adequada da função muscular e prevenir complicações pós-operatórias, como insuficiência respiratória e risco de reintubação.

 

Os principais agentes utilizados para a reversão são:

 

 1. Inibidores da Acetilcolinesterase

 

- Atuam aumentando a concentração de acetilcolina na junção neuromuscular, compe-tindo com os bloqueadores neuromusculares não despolarizantes.

- Exemplos: Neostigmina e Edrofônio.

- Devem ser administrados com anticolinérgicos (Atropina ou Glicopirrolato) para evitar efeitos colaterais muscarínicos, como bradicardia e hipersecreção.

 

 2. Reversores Específicos

 

- Sugamadex: Reverte especificamente os aminoesteroides (Rocurônio e Vecurô-nio), encapsulando as moléculas livres e promovendo uma recuperação rápida e previ-sível.

- Permite reversão profunda do bloqueio neuromuscular, reduzindo o risco de complica-ções respiratórias no pós-operatório.

- Diferente dos inibidores da acetilcolinesterase, não exige o uso de anticolinérgicos.

 

A escolha do agente reversor depende do tipo e grau de bloqueio neuromuscular presen-te no momento da reversão, bem como das condições clínicas do paciente. O monito-ramento neuromuscular com a técnica de Train-of-Four (TOF) é fundamental para avaliar a necessidade e a eficácia da reversão do bloqueio.

 

 

 Pontos Importantes

 

- A succinilcolina é o único bloqueador despolarizante utilizado na prática clínica.

- Rocurônio tem início de ação rápido e pode ser revertido com Sugamadex.

- Cisatracúrio é indicado em pacientes com insuficiência hepática e renal.

- A hipertermia maligna é uma emergência anestésica e deve ser prontamente tratada com Dantrolene.

- Monitorização da função neuromuscular intraoperatória reduz o risco de bloqueio residual.

 

 

 Referências

 

1. American Society of Anesthesiologists (ASA). Guidelines for Neuromuscular Blockade. 2024.

2. European Society of Anaesthesiology and Intensive Care (ESAIC). Best Practices for Neuromuscular Blockade. 2024.

3. Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA). Diretrizes para Uso de Bloqueadores Neuromusculares. 2024.

 

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