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Injúria renal aguda: definição, diagnóstico e tratamento




1 - Qual a definição de injúria renal aguda (IRA)?


Define-se IRA como declínio abrupto da taxa de filtração glomerular (TFG), que evolui ao longo de horas ou dias, pelo menos em parte reversível, resultando em incapacidade de eliminar metabólitos e de manter o equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico. Isso resulta em elevação de ureia e creatinina séricas e outros resíduos metabólicos, que são normalmente excretados pelo rim, associados ou não à redução do débito urinário. Na maioria das vezes é um diagnóstico puramente laboratorial. KDIGO 2012 a define como:

  • Aumento da creatinina sérica > 0,3mg/dl dentro de 48h OU

  • Aumento da creatinina sérica > 1,5X o valor de base nos últimos 7 dias OU

  • Débito urinário < 0,5ml/kg/h por mais de 6h

2 - Qual a incidência de injúria renal aguda (IRA)?


A incidência de IRA varia dependendo da população estudada e da definição utilizada na análise.

A IRA mantém-se como importante condição clínica, afetando entre 5% e 7% de todos os pacientes internados, e 30% a 70% dos internados em UTI. Apesar de avanços no conhecimento da fisiopatogenia e do estabelecimento de medidas preventivas eficazes, a incidência permanece inalterada, em parte pela presença de populações mais idosas e de maior gravidade, em parte pelo impacto de novos medicamentos, tratamentos e procedimentos diagnósticos nefrotóxicos.

3 - Qual a mortalidade da injúria renal aguda (IRA)?


O desenvolvimento da IRA tem consequências importantes no curto e longo prazos. Apesar dos grandes avanços na diálise e nos cuidados intensivos, as taxas de mortalidade para IRA na UTI permanecem elevadas, 37% a 60%. O desenvolvimento de IRA determina aumento da mortalidade de qualquer condição clínica. Considerando-se todos os casos de IRA, inclusive os mais leves, a taxa de óbito fica em torno de 40%. Entre os pacientes mais graves, ou seja, aqueles com creatinina acima de 4 mg/dl e os que necessitam de diálise, ela sobe para 40% a 86%. A mortalidade é em torno de 10% nos casos de pré e pós-renal quando prontamente tratados. Apesar do impacto da IRA na sobrevida dos pacientes, eles geralmente morrem pela condição de base ou suas complicações, como sepse e choque circulatório, visto que o tratamento substitutivo, a diálise, é bastante efetivo.

4 - Quais as principais causas de injúria renal aguda em pacientes hospitalizados?

A IRA entre os pacientes hospitalizados com choque séptico é multifatorial, mais comumente relacionada à Necrose Tubular Aguda (NTA), Isquemia, exposição à Nefrotoxina ou Sepse.

5 - Como é classificada, do ponto de vista de sua fisiopatologia, a injúria renal aguda (IRA)?


A IRA é classificada em:

  • Pré-renal (55-60%): É secundária à hipoperfusão renal (hipovolemia ou diminuição do volume circulante efetivo), nela a integridade do parênquima renal está mantida;

  • Renal ou Intrínseca (35-40%): É secundária a um dano tissular por isquemia ou nefrotoxicidade. Pode ter acometimento vascular, glomerular, tubular ou intersticial;

  • Pós-renal (<5%): Há obstrução das vias urinárias entre o meato uretral externo e o colo vesical, ou quando há obstrução ureteral bilateralmente ou unilateralmente em paciente com rim único.


6 - Como é classificada, do ponto de vista de diurese, a injúria renal aguda (IRA)?

  • anúrica total: 0-20 ml/dia

  • anúrica: 20 a 100 ml /dia

  • oligúrica: 101 a 400-500 ml /dia

  • não-oligúrica: 401 a 1200 ml/dia

  • poliúrica: 1201 a 4000 ml/dia

  • hiperpoliúrica:> 4000 ml/dia


7 - Como é classificada, do ponto de vista de gravidade, a injúria renal aguda (IRA)?

Temos atualmente três classificações para IRA:

  1. RIFLE:


  1. AKIN:


  1. KDIGO:

8 - Qual classificação é mais utilizada atualmente?


KDIGO: mais recente e preferida. Permite a correção do status do volume e causas obstrutivas antes da classificação. Antes de diagnosticar e classificar a IRA deve-se avaliar e otimizar o status do volume e excluir a obstrução. 9 - Qual o estado da arte sobre essas classificações atualmente?

(KDIGO) têm maior utilidade em estudos epidemiológicos e na definição de critérios consistentes de inclusão e / ou endpoints para estudos clínicos. Vários estudos suportam que a gravidade do estágio de LRA se correlaciona com mortalidade e risco de UTI e tempo de permanência hospitalar. Provável que esses critérios sejam substituídos por biomarcadores sensíveis e específicos da lesão tubular renal (análogos à troponina no IAM), permitindo o desenvolvimento de nova classificação de IRA, que não depende exclusivamente da creatinina sérica ou de outros marcadores funcionais. A definição de AKI não distingue entre as múltiplas etiologias que podem causar AKI. Outras limitações incluem o uso de diurese como único critério para IRA, que não foi validado de forma conclusiva, e a dificuldade de determinar a função renal basal entre pacientes que não realizaram a dosagem recente de creatinina. 10- Qual escore de risco para IRA mais utilizado atualmente?

Preditores independentes de IRA em 48h de internação na UTI foram identificados e utilizados para desenvolver uma pontuação de previsão de risco: - Doença renal crônica (DRC) - 2 pontos - Doença hepática crônica - 2 pontos - Insuficiência cardíaca - 2 pontos - Hipertensão - 2 pontos - Doença cardíaca coronária - 2 pontos - pH <7,3 - 3 pontos - Exposição à nefrotoxina - 3 pontos - Infecção grave / sepsis - 2 pontos - Ventilação mecânica - 2 pontos -Anemia - 1 ponto Tal modelo foi testado em uma coorte de 144 pacientes e validado, independentemente, entre 1300 pacientes consecutivos na UTI. Limiar ≥5 para definir indivíduos de alto risco (valores preditivos positivo e negativo: 32 e 95), nesse modelo, 32% dos pacientes com escore ≥5 pontos provavelmente desenvolverão LRA em 48h; 95% dos pacientes com escore <5 são improváveis ​​de desenvolver IRA. 11- Quais são as principais etiologias da injúria renal aguda (IRA) pré-renal?

Redução do volume intravascular

  • Hemorragias;

  • desidratação;

  • queimaduras extensas;

  • perdas gastrointestinais: náuseas, vômitos, drenagens cirúrgicas;

  • perdas renais: diurese osmótica, uso de diuréticos, diabetes insipidus, insuficiência adrenal;

  • sequestro: pancreatite, peritonite, politrauma, queimadura, hipoalbuminemia grave.


Redução do débito cardíaco

  • Insuficiência cardíaca;

  • embolia;

  • arritmias;

  • disfunções valvares;

  • tamponamento cardíaco.

  • Hipertensão arterial maligna

  • Miocardiopatias

  • Infarto agudo do miocárdio

  • Hipertensão pulmonar

  • Ventilação assistida com pressão positive


Alteração na relação entre resistência vascular sistêmica e renal

  • vasodilatação sistêmica: sepse, anti-hipertensivos, anafilaxia, anestésicos;

  • vasoconstrição renal: anfotericina B, ciclosporina, noradrenalina; adrenalina, hipercalcemia;

  • síndrome hepatorrenal.


Hipoperfusão renal por comprometimento das respostas autorreguladoras

  • uso de inibidor da cicloxigenase e de inibidor da enzima conversora de angiotensina


Síndrome de hiperviscosidade

  • mieloma;

  • policitemia;

  • macroglubulinemia.


12 - Quais são os fatores de risco para injúria renal aguda (IRA)?

Os fatores de risco são divididos em dois grupos conforme apresentado abaixo: EXPOSIÇÃO:

  • Sepse

  • Doença crítica

  • Choque circulatório

  • Queimadura

  • Trauma

  • Cirurgia cardíaca

  • Cirurgia de grande porte não cardíaca

  • Drogas nefrotóxicas

  • Radiocontrastes iodados

  • Plantas e animais venenosos

SUSCEPTIBILIDADE:

  • Desidratação ou depleção de volume

  • Idade avançada

  • Gênero masculino

  • Raça negra

  • Doença renal Crônica

  • Diabetes

  • Neoplasia maligna

  • Anemia

  • Doenças crônicas (Insuficiência cardíaca, cirrose)

  • Proteinúria

  • Hiperuricemia

Nestes grupos de pacientes, algumas situações, especialmente de hipoperfusão, que seriam facilmente toleradas, acabam por desencadear episódio de IRA, pois a capacidade de resposta às agressões ao rim está comprometida. A identificação dos fatores de risco é importante, pois é exatamente neste grupo que as medidas preventivas devem ser adotadas, como também a monitoração laboratorial da função renal, frente a um episódio potencialmente causador de IRA, para o diagnóstico precoce. 13- Quais são as principais etiologias da injúria renal aguda (IRA) renal?

Necrose tubular aguda (NTA)

  • induzida por isquemia: quando a redução da perfusão renal ocorre em intensidade ou duração suficiente para levar a morte celular, ou seja, trata-se da continuidade do processo fisiopatológico da IRA pré-renal,

  • induzida por toxinas: antibióticos (aminoglicosídeos, vancomicina, anfotericina B), contrastes iodados, mioglobina, hemoglobina, quimioterápicos (cisplatina).


Doenças de vasos renais de grande calibre

  • artéria renal: trombose, embolia, dissecção, vasculite, placa ateromatosa,

  • veia renal: trombose, compressão


Doença da microcirculação renal e glomérulos

  • glomerulonefrites;

  • vasculites;

  • toxemia da gravidez;

  • síndrome hemolítica-urêmica;

  • púrpura trombocitopênica trombótica;

  • hipertensão acelerada;

  • coagulação intravascular disseminada.


Doenças túbulo-intersticiais

  • alérgicas:antibióticos (betalactâmicos, rifampicina, sulfas, trimetoprima), antiinflamatórios não-hormonais, captopril;

  • infecção;

  • infiltração: linfoma, leucemia, sarcoidose;

  • idiopática.


14- Qual a fisiopatologia da injúria renal aguda (IRA) pré-renal?

Os vasos renais possuem mecanismo de autorregulação do fluxo sanguíneo renal e da filtração glomerular.

A queda da pressão arterial estimula diretamente a produção de oxido nítrico, prostaglandina E2 e sistema calicreína-cinina, através do reflexo miogênico da musculatura lisa da arteríola aferente, causando vasodilatação de tal vaso com consequente aumento da pressão intra-glomerular e da taxa de filtração glomerular.

Além disto, os barorreceptores do seio carotídeo e os cardíacos respondem à hipotensão com ativação dos sistemas simpático e renina-angiotensina-aldosterona. Aumentando os níveis de noradrenalina, angiotensina II e vasopressina, determinam redução do fluxo sanguíneo para pele, músculo e território esplâncnico, priorizando a perfusão para órgãos nobres. Além disto, atuam no néfron aumentando a reabsorção de sódio e água. Quando os mecanismos compensatórios são sobrepujados, em geral com pressão sistólica menor que 80 mmHg, dá-se a IRA pré-renal. A IRA pode ocorrer mais precocemente em idosos, em pacientes já com comprometimento renal por hipertensão ou diabetes, em uso de inibidores de cicloxigenase e/ou inibidores da enzima conversora da angiotensina. Quando a hipoperfusão é mais grave ou mais prolongada, pode evoluir para forma renal.


15- Qual a fisiopatologia da injúria renal aguda (IRA) isquêmica?

Quando os fatores determinantes da IRA pré-renal não são corrigidos, há a evolução para lesão isquêmica, caracterizada na histologia por vacuolização e perda da borda em escova das células do túbulo proximal.

Ocorre nas mesmas condições da pré-renal, desde que a isquemia seja mais intensa e com maior duração.


Ocorre em situação mais graves como cirurgia cardiovascular, trauma, sepse, hemorragias, ou causas menos graves associadas à nefrotoxinas ou em grupos de risco elevado para desenvolvimento de IRA como idosos, portadores de doença renal crônica, hipertensão arterial, diabetes melitus, uso de anti-inflamatórios não hormonais, inibidores da enzima conversora de angiotensiva entre outros.

A etiologia da IRA renal na maioria das vezes é multifatorial.

IRA isquêmica é dividida em três fases:

1 Instalação – horas a dias

Período em que ocorre a hipoperfusão e se instala a lesão isquêmica. A redução da taxa de filtração glomerular (TFG) ocorre por: 1. redução da pressão de filtração glomerular pela redução do fluxo de sangue; 2. obstrução ao fluxo do filtrado glomerular nos túbulos por células epiteliais descamadas e restos necróticos, com redução do gradiente de pressão responsável pela filtração glomerular; 3. extravasamento retrógrado do filtrado glomerular através do epitélio lesado. A lesão predomina nas porções medulares dos rins, já naturalmente menos perfundidas e com alta taxa de metabolismo (segmento S3 do túbulo contornado proximal e porção espessa da alça de Henle). O restabelecimento do fluxo sanguíneo renal pode limitar a lesão isquêmica.

2 Manutenção

Persiste a lesão das células epiteliais, mesmo com a recuperação hemodinâmica. A TFG persiste baixa (5 a 10 ml/min), determinando oligúria, com consequente hipervolemia, uremia e suas complicações. Mantém-se vasoconstrição intra-renal por desequilíbrio entre os mediadores vasoativos (redução do NO – vasodilatador – e aumento da endotelina – vasoconstritor). Nesse ponto há lesão de reperfusão, mediada por radicais livres do oxigênio, mediadores de leucócitos e células parenquimatosas.

Recuperação

Ocorre a regeneração das células tubulares, com retorno gradativo da TFG. Neste momento, pode haver poliúria, que se não observada e compensada, poderá levar a nova hipoperfusão renal. A poliúria pode ocorrer pelo uso de diuréticos, pela excreção de sal e solutos até então retidos e pela recuperação mais tardia das células epiteliais, responsáveis pela reabsorção de sal e água, em relação à filtração glomerular. 16- Qual a fisiopatologia da injúria renal aguda (IRA) nefrotóxica?

O mecanismo varia conforme a toxina:

  • vasoconstrição intra-renal: ciclosporina, contraste, anfotericina B,

  • toxicidade direta das células tubulares e/ou obstrução intratubular: aminoglicosídeo, aciclovir, pentamidina, anfotericina B, cisplatina, ciclofosfamida.


Há a possibilidade de IRA por toxinas endógenas:


    • mioglobinúria: ocorre na rabdomiólise (esmagamentos, isquemias, convulsões, álcool, infecções, hipertermia maligna, exercício em excesso). A mioglobina inibe o óxido nítrico, favorecendo a vasoconstrição intra-renal, e lesa diretamente os túbulos.

    • Hemoglobinúria: ocorre em hemólises maciças, como nas reações transfusionais graves. Tem os mesmos efeitos da mioglobina.

    • Cálcio: a hipercalcemia determina vasoconstrição renal.

    • Proteínas de cadeia leve: determinam obstrução dos túbulos e lesão de seu epitélio. Estão presentes no mieloma.

    • Hiperuricosúria: ocorre após quimioterapia nas doenças linfo ou mieloproliferativas. O excesso de ácido úrico determina obstrução tubular


17- Qual a fisiopatologia da injúria renal aguda (IRA) pós-renal?

A obstrução das vias urinárias determina, retrogradamente, aumento da pressão no sistema tubular renal e no espaço glomerular, reduzindo a pressão hidrostática responsável pela filtração. Ela ocorre em duas fases:

  1. Hiperêmica (12-24h): aumento da produção de prostaglandina pelo parênquima renal, gerando vasodilatação da artéria aferente.

  2. Produção de substâncias vasoconstritoras: pelo epitélio tubular sob efeito do aumento de pressão intra-luminal. Libera substâncias quimiotáxicas que ativam células inflamatórias gerando Nefrite Intersticial Crônica, caso a obstrução não seja corrigida. Onócitos e macrófagos secretam citocinas que promovem fibrose teciadual com o passar do tempo.

18- Qual o quadro clínico da injúria renal aguda (IRA)? A IRA, muitas vezes, é assintomática em suas fases iniciais, sendo detectada apenas por monitoração laboratorial (aumento de ureia e creatinina). Além disso, como ela geralmente ocorre concomitante com outras doenças, o quadro da doença específica é predominante e pode desviar para si a atenção. Embora em alguns casos a IRA possa ocorrer com preservação do volume, na maioria das vezes, a redução da diurese está presente e é um dos dados que chamam a atenção para o diagnóstico. Além disso, o comportamento da diurese pode auxiliar no diagnóstico. Anúria sugere obstrução completa das vias urinárias ou casos graves de isquemia renal; flutuações do débito urinário, obstrução intermitente. A recuperação da diurese após sondagem vesical indica IRA pós-renal. Com a evolução da IRA, podem surgir sintomas e sinais de suas complicações: hipervolemia, acidose metabólica e uremia (náuseas, vômitos, hiporexia, dispneia, enfalopatia, sangramento...). 19- Quais os principais achados decorrentes de hipervolemia?

Dispneia e tosse são sintomas frequentes de hipervolemia em função do edema pulmonar, inicialmente intersticial e depois alveolar. A dispneia é progressiva e piora com o decúbito. A tosse, inicialmente seca, torna-se produtiva, com expectoração rósea, quando o edema pulmonar extravasa para alvéolos. A ausculta pulmonar evidencia crepitações, inicialmente nas bases, mas que pode se estender para todos os pulmões. Outros achados incluem taquicardia, turgência jugular, galope de B3 (pode haver de B4 quando há comprometimento de relaxamento do miocárdio). O edema surge inicialmente nos membros inferiores, ou dorso em acamados, podendo evoluir para anasarca. 20- Quais as principais consequências da acidose metabólica?

A acidose metabólica tipicamente causa hiperventilação, com taquipneia e incursões respiratórias profundas, caracterizando a respiração de Kussmaul. Em suas formas graves, sobretudo com pH inferior a 7,20, comprometimento de diferentes funções podem ocorrer: · cardiovascular


    • depressão da contratilidade miocárdica

    • redução da pressão arterial

    • dilatação arteriolar e venoconstrição, com centralização do volume de sangue e predisposição a arritmias

    • atenuação da resposta às catecolaminas


  • pulmonar

    • hiperventilação

    • menor eficácia muscular, podendo levar a fadiga

    • hipertensão pulmonar


  • sistema nervoso central

    • inibição do metabolismo e da regulação do volume celular

    • rebaixamento de consciência e coma


  • metabólico

    • hiperpotassemia

    • resistência à insulina, com hiperglicemia

    • aumento da demanda metabólica, inibição da glicólise anaeróbica, redução da produção de ATP


21- Quais os principais achados decorrentes de uremia?

Os principais achados relacionados à uremia, nem sempre presentes em sua totalidade, são: · anorexia, náuseas, vômitos;

  • alterações do nível de consciência – letargia, agitação, torpor e coma; convulsões, flapping, alteração do ciclo sono-vigília;

  • serosites – pericardite, raramente pleurite;

  • hemorragia digestiva alta;

  • diátese hemorrágica – tendência a sangramentos com exames laboratoriais normais


22- Quais outros dados clínicos são úteis na investigação da insuficiência renal aguda (IRA)?


A história cuidadosa com revisão detalhada do prontuário pode auxiliar no diagnóstico precoce de IRA e na identificação de sua causa. Os dados mais relevantes para o diagnóstico de IRA pré-renal e renal isquêmica são: vômitos, diarreia, hemorragia, poliúria, queimaduras, pancreatite, febre, hipotensão (incluindo durante o período intra-operatório), antecedente de doença cardíaca ou hepática. Sinais precoces de hipoperfusão incluem sede, taquicardia, hipotensão postural, redução da pressão venosa jugular, mucosas secas e perda do turgor da pele. Dados objetivos incluem redução do peso e balanço hídrico negativo. Nas formas mais graves de hipoperfusão há hipotensão, palidez, extremidades frias, sudorese fria. Nessa fase já há queda do débito urinário.

Em relação à IRA renal, além dos achados relativos à hipoperfusão, deve-se estar atento para a exposição a nefrotoxinas endógenas e exógenas, achados compatíveis com vasculites sistêmicas e hematúria.

IRA pós-renal é sugerida por história anterior de redução progressiva do jato urinário, nictúria, aumento da frequência das micções, aumento do volume da próstata, distensão vesical, massas palpáveis em abdome.

A presença de alguns sintomas e sinais pode sugerir causas específicas. Como exemplos:

· sintomas prévios de doença prostática: obstrução?

  • dor em flanco: oclusão da artéria ou veia renal, doenças do parênquima renal com distensão da cápsula (ex. pielonefrite);


· cólica nefrética: cálculos;

  • dor supra-púbica (palpação de bexigoma): distensão da bexiga por obstrução;

  • vasculite renal: muitas vezes acompanhada de vasculites em outros órgãos, como pele, seios de face e pulmões, com os sintomas relacionados ao acometimento desses órgãos. Pode haver ainda hipertensão, hematúria e anemia.

  • nefrite intersticial alérgica: febre, artralgias, lesões cutâneas pruriginosas

  • embolização de artéria renal: livedo reticular, sinais de embolia em extremidades.


23- Como é feito o diagnóstico laboratorial da insuficiência renal aguda (IRA)?


O laboratório é fundamental para o diagnóstico de IRA. Embora exista muita controvérsia, a elevação da creatinina e a diurese são os parâmetros mais utilizados. Atualmente o diagnóstico é feito baseado nos critérios abaixo:

  • Aumento da creatinina sérica > 0,3mg/dl dentro de 48h OU

  • Aumento da creatinina sérica > 1,5X o valor de base nos últimos 7 dias OU

  • Débito urinário < 0,5ml/kg/h por mais de 6h

24- Como pode ser estimada a depuração da creatinina?


A depuração da creatinina pode ser estimada pela fórmula de Cockcroft-Gault, de cálculo fácil inclusive à beira do leito.

Outra equação que estima a filtração glomerular é a desenvolvida pelo estudo MDRD (Modification of Diet on Renal Disease). Atualmente a que mais se aproxima dos métodos padrão-ouro é a desenvolvida pelo grupo CKD-EPI.

Uma limitação do uso das duas últimas fórmulas é a necessidade do uso de computador ou aplicativo de celular no seu cálculo.

No dia-a-dia, essa fórmula é usada para o ajuste de medicações de eliminação renal, sobretudo as nefrotóxicas.




25- O que é o FENa e como ele pode auxiliar na diferenciação entre insuficiência renal aguda (IRA) pré-renal e renal?


Como a hipoperfusão renal é a principal causa de IRA, que pode ser pré-renal ou renal, vários dados laboratoriais podem ser usados para tentar diferenciar essas duas situações. Vale lembrar, entretanto, que as duas condições são, na verdade, estágios diferentes dentro de um mesmo processo fisiopatológico e que a restauração da perfusão renal é a medida mais importante a ser tomada.

O índice de excreção fracionada de sódio (FENa) pode ser útil para diferenciar IRA pré-renal de renal. Ele baseia-se no fato de que na pré-renal há reabsorção de sódio nos túbulos, na tentativa de recuperar o volume plasmático, o que não ocorre na renal, pela lesão tubular instalada. A creatinina não é reabsorvida nas duas condições.

A interpretação da FENa


    • Menor que 1: IRA pré-renal

    • Maior que 1: IRA renal


As dosagens urinárias de sódio e creatinina são feitas a partir de amostra isolada, colhida antes do uso de diuréticos, pois eles podem elevar o FENa mesmo na IRA pré-renal. O FENa pode estar baixo em outras condições que não a pré-renal: glomerulonefrites, nefropatia por contraste, mioglobinúria e hemoglobinúria, NTA precoce (transição entre pré-renal e renal).

26- Quais outros achados laboratoriais podem auxiliar na diferenciação entre injúria renal aguda (IRA) pré-renal e renal?


Apesar de todos esses indicadores, a melhor forma de se distinguir a IRA pré-renal da renal é pela resposta à reposição volêmica: o retorno ou a melhora da função renal após 24 a 72 horas indica IRA pré-renal. Esse critério até pode ser impreciso em relação às causas transitórias de NTA, mas nesses casos essa imprecisão não tem relevância clínica.



27- Qual a importância do sedimento urinário no diagnóstico da insuficiência renal aguda (IRA)?


O sedimento urinário é útil na investigação da IRA, com alguns achados que podem sugerir uma ou outra condição:


    • Pré-renal: sedimento acelular, presença de cilindros hialinos (proteínas secretadas pela alça de Henle).

    • Pós-renal: sedimento normal, hematúria e piúria podem ocorrer nas doenças prostáticas e nas obstruções de causa intra-luminal.

    • NTA: presença de células tubulares, cilindros granulosos pigmentados, cilindros com células tubulares, hematúria microscópica, proteinúria leve (<1g/dia). O sedimento pode ser normal em 20% a 30% dos casos.

    • Lesão glomerular: hematúria, presença de cilindros hemáticos, proteinúria acima de 1g/dia.

    • Nefrite túbulo intersticial: presença de cilindros leucocitários e granulosos não pigmentados, eosinofilúria (> 5% dos leucócitos).

    • Hemoglobinúria e mioglobinúria: reação fortemente positiva para grupo heme na fita, com poucas hemácias ao exame microscópico.


28- Quais outros exames laboratoriais podem ser úteis na investigação da injúria renal aguda (IRA)?


Hemograma completo e testes de coagulação são importantes. A presença de eosinofilia pode sugerir nefrite intersticial aguda, enquanto plaquetopenia e deformação das hemácias podem sugerir púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica ou CIVD.

Enzimas musculares aumentadas (CPK e aldolase) sugerem rabdomiólise, que também cursa com níveis muito altos de fósforo. Exames direcionados para o diagnóstico de vasculites e colagenoses também podem ser úteis, com destaque para o FAN (fator anti-núcleo) e ANCA (anticorpo anti-citoplasma de neutrófilo).

Dosagem de eletrólitos e gasometria é fundamental, sobretudo na condução desses pacientes, visto que hiperpotassemia e acidose metabólica graves podem ocorrer e devem ser tratadas prontamente.

29- Quais exames de imagem auxiliam na investigação da insuficiência renal aguda (IRA)?


Exames de imagem devem ser realizados na busca da etiologia da IRA. O ultrassom, por sua segurança e disponibilidade, tende a ser o primeiro exame realizado. A não ser que haja uma causa bem definida para a IRA, ele estará sempre indicado. O ultrassom permite avaliar obstrução e dilatação das vias urinárias (lembrar que a ausência de dilatação não exclui obstrução, podendo ocorrer nas fases agudas, na hipovolemia, na fibrose retroperitonial). A avaliação do tamanho e da ecogenicidade dos rins auxilia na diferenciação entre quadros agudos e crônicos. Rins diminuídos sugerem doença crônica, exceto no diabete, na doença renal policística e na amiloidose. Aumento da ecogenicidade cortical também sugere quadro crônico.

Outros exames de imagem incluem:

· pielografia retrógrada ou anterógrada – avaliam melhor as obstruções


    • duplex ou ressonância – avaliam artérias e veias renais

    • Urotomografia: avaliação renal não operador-dependente, melhor para avaliação de cálculo e massas renais


Não se deve fazer urografia excretora pela nefrotoxidade do contraste. Caso haja necessidade de melhor avaliação de lesão obstrutiva das vias urinárias, avaliando-se o risco-benefício, pode se utilizar a tomografia helicoidal que utiliza uma quantidade menor de contraste.

30-Quando realizar biópsia renal na investigação da injúria renal aguda (IRA)?



A biópsia renal está indicada em pacientes em que causas pré e pós-renais foram excluídas e a causa da IRA intrínseca permanece incerta, particularmente quando o quadro clínico e o laboratorial sugerem outro diagnóstico que não isquêmico ou nefrotoxidade (ex: vasculite, glomerulonefrite, SHU, PTT, nefrite túbulo-intersticial). Outra indicação é a não melhora do quadro de NTA após seis semanas de evolução.



31- Quais são as bases do tratamento da injúria renal aguda (IRA) isquêmica?


Como não existe tratamento específico para a IRA isquêmica, a condução destes casos consiste em mediadas de suporte e prevenção de eventos que tragam mais injúria renal. O ponto fundamental é a correção dos estados de hipoperfusão. Nos pacientes hipovolêmicos, a reposição pode ser feita com cristaloides (não há vantagem comprovada com o uso de coloide). Esse ponto nem sempre é simples, pois a infusão de líquido em um paciente sem hipovolemia e já com IRA instalada poderá precipitar congestão pulmonar.

O exame físico minucioso pode orientar quanto à presença de hipovolemia (taquicardia, pressão jugular baixa, hipotensão, sem sinais de congestão). Na dúvida, sobretudo em pacientes de maior risco para doença cardiovascular, a medida da pressão venosa central (PVC), ou até mesmo da pressão capilar pulmonar, podem ser necessárias. Em cirróticos, esse problema é ainda maior, pela dificuldade de se diferenciar pré-renal de síndrome hepatorrenal.

Nos pacientes que persistem com redução do débito cardíaco, mesmo após correção da volemia, drogas inotrópicas devem ser empregadas (dopamina, dobutamina) com objetivo de se manter a pressão arterial média maior ou igual a 80mmHg. O uso rotineiro de dopamina em doses dopaminérgicas (0,5 a 2 mcg/kg/min) como medida preventiva ou para o tratamento de IRA não está indicado.

Complicações que reduzem o débito cardíaco, como arritmias e tamponamento cardíaco, devem ser corrigidas.

Devem ser evitadas as drogas com potencial nefrotóxico, e as outras utilizadas devem ser corrigidas diariamente para função renal.

Estão também recomendadas a monitorização clínica e a laboratorial diárias na busca de identificação das condições que indicam a necessidade de diálise.

32- Os diuréticos devem ser empregados na necrose tubular aguda (NTA)?


A tentativa de transformar a NTA oligúrica em não-oligúrica com o uso de altas doses de diurético de alça é controversa e não tem se mostrado eficaz em reduzir mortalidade ou mesmo a necessidade de diálise. Alguns problemas ainda podem estar associados a essa prática: redução da volemia do paciente e agravamento da hipoperfusão, atraso na avaliação do nefrologista e mesmo na indicação de diálise.

Utilizar diurético em pacientes com sinais de hipervolemia.

33- Quais são as bases do tratamento da injúria renal aguda (IRA) pós-renal?


Na IRA pós-renal o tratamento consiste em desobstruir as vias urinárias. Quando a lesão é uretral ou do colo vesical, faz-se sondagem vesical transuretral ou supra-púbica; quando é ureteral, cateterismo percutâneo da pelve renal ou implantação de cateter duplo-jota são as opções.

34- Quais são as principais indicações de diálise na injúria renal aguda (IRA)?

São elas:

  • Síndrome urêmica inquestionável (encefalopatia, hemorragia, pericardite)

  • Hipervolemia grave refratária (HAS, edema agudo)

  • Hipercalemia grave refratária ou recorrente

  • Acidose metabólica grave refratária ou recorrente

  • Azotemia grave: ureia> 200 ou creatinina > 8-10

  • Intoxicação exógena – AAS, Metformina, Etilenoglicol, Metanol e Lítio

35- Quais são os métodos de diálise utilizados no tratamento da injúria renal aguda (IRA)?


Utilizam-se hemodiálise convencional e diálise peritoneal, associados às terapias de hemodiálise contínua.

As terapias contínuas incluem hemofiltração e hemodiafiltração artério-venosa ou veno-venosa contínua. Elas determinam menor instabilidade hemodinâmica, permitem melhor controle metabólico e de líquidos.

A escolha depende das condições do doente, experiência do nefrologista e disponibilidade local. Não há evidência do maior benefício de uma modalidade sobre as outras.

36- Quais são as principais medidas preventivas em relação à injúria renal aguda (IRA)?


Evitar os estados de hipoperfusão e corrigi-los prontamente são as principais medidas preventivas. Assim, deve-se estar atento para a reposição volêmica adequada e manutenção da perfusão tecidual.

Medicações nefrotóxicas devem ser evitadas sempre que possível, sobretudo em pacientes já com outros fatores de risco.

As mais comumente associadas à IRA são: anfotericina B, aminoglicosídeos, vancomicina e antiinflamatórios não-hormonais. Sempre que possível, devem ser substituídas por opções não-nefrotóxicas. Na impossibilidade da substituição, a dose deve ser ajustada para a função renal.

Há situações particulares que a tomada de medidas específicas comprovou benefício:


    • hidratação venosa com solução hipotônica (salina a 0,45%) – prévia e após o uso de contraste nos grupos de risco.

    • hidratação venosa vigorosa – prevenção da IRA por rabdomiólise;

    • hiperidratação, alcalinização da urina e alopurinol – prevenção da IRA na síndrome de lise tumoral.


37- Quais são as particularidades da lesão renal pelas principais drogas nefrotóxicas?


Anfotericina B

O risco de IRA aumenta com a associação com aminoglicosídeo, ciclosporina, dose diária maior que 35 mg e com a dose acumulada. Em situações de risco, deve-se utilizar dose de 0,6 mg/kg/dia precedido de solução salina. Hoje já existem opções para sua substituição: anfotericina lipossomal, voriconazol e caspofungina.

Aminoglicosídeos

A nefrotoxidade, em geral, surge após uma semana de uso. O risco aumenta com o fracionamento da dose (idealmente, usa-se dose única diária), doses elevadas e tempo prolongado. São opções para sua substituição: ciprofloxacino, aztreonan.

Vancomicina

Pode ser substituída pela linezolida em pacientes de risco.

Anti-inflamatórios não-hormonais

Não devem ser usados para analgesia em pacientes de risco, devendo-se preferir os opióides.

38- Quais são as medidas preventivas em relação à injúria renal aguda por contraste radiográfico?


Outra causa importante de IRA são os contrastes radiográficos, responsáveis por 10% de todos os casos de IRA intra-hospitalar. A medida preventiva mais eficaz é a prevenção da desidratação concomitante ao uso do contraste. A hidratação com salina a 0,9%, como citado anteriormente, é o esquema mais utilizado. Não há resultados promissores com a administração de N-acetilcisteína ou hidratação com salina com bicarbonato. Em pacientes de alto risco deve-se, quando possível, substituir a TC pela ressonância magnética e, no cateterismo cardíaco, não fazer a ventriculografia. Utilizar sempre que possível contraste isso-osmolar, não iônico.

39- Quais drogas podem causar Nefrite Intersticial aguda (NIA)?


Os fármacos mais comuns que causam NIA são:

- Agentes Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs), incluindo inibidores seletivos da cicloxigenase (COX) -2;

- Penicilinas e cefalosporinas;

- Rifampicina;

- Sulfonamidas antimicrobianas, incluindo sulfametoxazol-trimetoprima;

- Diuréticos, incluindo os de alça, como furosemida e bumetanida, e os do tipo tiazídico;

- Ciprofloxacino e, talvez em menor grau, outras quinolonas;

- Cimetidina (apenas casos raros foram descritos com outros bloqueadores H2, como ranitidina);

- Alopurinol;

- Inibidores da bomba de prótons, como omeprazol e lansoprazol;

- Indinavir;

- 5-aminossalicilatos (por exemplo, mesalazina);

Os AINEs podem causar NIA com infiltrado intersticial composto principalmente de linfócitos T, com síndrome nefrótica devido à doença por lesões mínimas ou nefropatia membranosa. Essa desordem é mais provável com o uso de fenoprofeno, mas provavelmente pode ser induzida por qualquer AINE não seletivo.

40- Qual o quadro clinico de Nefrite Intersticial aguda?

  • Rash cutâneo

  • Eosinofilia

  • Leucocitúria estéril

  • Febre

  • Eosinofilúria

  • Eosinofilúria




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