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Insuficiência Cardíaca

Atualizado: 30 de set.

Dr José Dondici

Mestre em Cardiologia pela PUC Rio


1 -Introdução


É uma síndrome de origem heterogênea, constituindo a via final comum de todas as cardiopatias. É altamente debilitante, prejudicando a qualidade de vida e com prognóstico similar ao de neoplasias malignas mais comuns (próstata, intestino e mama).


Qualquer sobrecarga, de volume ou pressão, a perda de miócitos, de forma localizada, como na isquemia, ou generalizada como nas cardiomiopatias, constituem causas de IC. O diagnóstico etiológico é essencial, pois orienta particularidades terapêuticas, como medicamentos específicos ou intervenções cirúrgicas. As causas mais comuns de IC são a HA e/ou DAC.


O débito cardíaco (DC) é constituído pela quantidade de sangue que chega ao coração (volume diastólico final) e pelo volume de sangue que é ejetado (volume sistólico). Didaticamente, a IC pode ser dividida em duas modalidades: a incapacidade do coração em receber sangue a baixa pressão, ou de ejetá-lo a alta pressão nos vasos sanguíneos. A primeira é conhecida como IC de fração de ejeção (FE) preservada (ICFEP) e a segunda IC de fração ejeção reduzida (ICFER). O cálculo da FE, obtida pelo ecocardiograma (ECO), permite agrupar os pacientes em quatro grupos (tabela 1).



Tabela 1 - Classificação da IC de acordo com a FE




2- Fisiopatologia


Quando o DC cai inicia-se um processo mecânico e bioquímico compensatório, para manter o paciente assintomático e preservar a vida.


Do ponto de vista mecânico há hipertrofia, pois o miócito não se multiplica. A hipertrofia pode ser com miócitos em série no aumento da pré-carga ou em paralelo, aumento da pós-carga, denominadas hipertrofia excêntrica e concêntrica.


No miócito normal (figura 1) a maior parte da sua estrutura são as miofibrilas, além de tecido conjuntivo de sustentação e capilares, fonte de nutrientes para contração.


Figura 1 – Hipertrofia ventricular




Com a hipertrofia do miócito, há também a do tecido conjuntivo e da camada média dos vasos sanguíneos. Com a persistência da sobrecarga, o tecido conjuntivo passa a constituir o principal componente da miofibrila, superando a necessidade de sustentação. Rígido, em nada contribui para contração.


Na hipertrofia, se observarmos todo o coração existe aumento da força de contração, mas analisando cada miofibrila isoladamente há significativa deterioração funcional.


Contribui para piora o desvio na síntese de miosina de cadeia pesada tipo beta em detrimento da alfa, com menor velocidade de contração. Há menor produção de mRNA do cálcio ATPase, enzima responsável pela captação do cálcio no citoplasma após a contração. A maior quantidade de cálcio disponível na diástole resulta em menor complacência.


Não há aumento proporcional da vascularização e maior massa de células será irrigada pela mesma quantidade de vasos. A hipertrofia da camada média e a compressão extrínseca do vaso pelo miocárdio hipertrofiado contribuem para redução do fluxo. O diâmetro fixo do óstio coronariano também limita a irrigação do coração. Conclui-se que, independente de lesão coronariana, a isquemia poderá existir, contribuindo para redução adicional da força contrátil.


Simultaneamente às mecânicas, alterações bioquímicas estão em curso. Há liberação de várias substâncias, umas vasodilatadoras e natriuréticas, outras de ação oposta (figura 2).



Figura 2- Fisiopatologia da IC




As prostaglandinas, liberadas pela diminuição da perfusão renal, levam a vasodilatação renal.


A maior secreção de óxido nítrico, potente vasodilatador e fundamental na manutenção da homeostase vascular e de vários outros órgãos e tecidos.


A dopamina age nos receptores dopaminérgicos presentes no coração, cérebro, rins e mesentério, e leva a vasodilatação e natriurese, além de significativa ação inotrópica positiva.


Os peptídeos natriuréticos (PN), produzidos pelo aumento da pressão ou volume nos átrios, ventrículos (BNP) e vasos, antagonizam a ação dos vasoconstritores, promovem a natriurese e constituem eles próprios potentes vasodilatadores.


A vasopressina e o SRAA atuam no braço vasoconstritor. O SRAA é de fundamental importância no equilíbrio orgânico, responsável por manter a pressão de perfusão dos órgãos e tecidos. Age na suprarrenal, liberando aldosterona, na hipófise vasopressina e na própria célula muscular lisa, atuando como potente vasoconstritor. Leva a intensa proliferação e apoptose celular, com efeitos deletérios no coração e rins. A endotelina tem ação muito semelhante.


A hiperatividade simpática produz aumento da frequência cardíaca (FC), contratilidade e vasoconstrição. Favorece a hipertrofia, aumento da pressão arterial (PA) e do retorno venoso, contribuindo para maior trabalho cardíaco e consumo de oxigênio. O estímulo beta ativa o SRAA e vasopressina e tem ação tóxica direta sobre o miocárdio predispondo a arritmias. A estimulação simpática mantida reduz a densidade e sensibilidade dos receptores beta-1.


Na IC há um desbalanço entre as forças vasodilatadoras e as vasoconstritoras, culminando em uma situação de intensa vasoconstrição e retenção de sódio e água. Inicialmente benéfico promovendo manutenção do DC e pressão de perfusão, com o tempo, o mecanismo compensatório ultrapassa seus limites e é responsável por todo quadro clínico da síndrome.


Sendo potencialmente irreversível, de difícil tratamento etiológico, o bloqueio humoral, com alívio sintomático e menor velocidade de progressão, constituem atualmente o fulcro terapêutico da enfermidade (figura 3).



3- Diagnóstico


3.1 Anamnese e exame físico:


Os sintomas congestivos decorrem do aumento de pressão e volume nos átrios. No átrio esquerdo leva ao aparecimento de sintomas pulmonares: dispneia aos esforços, paroxística noturna, ortopneia e bendopneia. A tosse é principalmente noturna. Na ausculta pulmonar há estertores e/ou sibilos pulmonares.


No lado direito, observa-se edema bilateral de membros inferiores, hepatomegalia e a presença de turgência venosa patológica. Esta última, facilmente observada à inspeção do pescoço apresenta forte especificidade e pode ser exacerbada com a compressão abdominal (refluxo hepato ou abdominojugular).


A retenção hídrica leva a considerável ganho de peso. Os sintomas urinários são comuns, como a nictúria ou oligúria.


No trato gastrointestinal pode haver hiporexia, náuseas e vômitos. Verdadeira enteropatia acomete os casos mais graves, levando a caquexia cardíaca.


O baixo débito causa fadiga crônica, extremidades frias, palidez, intolerância aos esforços e piora os sintomas respiratórios por enfraquecimento da musculatura intercostal.


A palpação do abdome pode ser dolorosa, além de hepatomegalia e, às vezes, ascite.



Figura 3 – Mecanismos de evolução da insuficiência cardíaca



À palpação, os pulsos arteriais são finos. O ictus do ventrículo esquerdo (VE) apresenta desvios variáveis, podendo ou não ser acompanhado de impulsão paraesternal direita, nos casos de crescimento do ventrículo direito (VD).


A ausculta identifica taquicardia, bulhas hipofonéticas e presença de terceira e/ou quartas bulhas. Em virtude do crescimento dos átrios e ventrículos, por dilatação do anel valvar, sopros de regurgitação mitral e tricúspide podem existir.


Embora a IC apresente uma clínica exuberante, o diagnóstico clínico pode ser difícil. Vários escores diagnósticos foram desenvolvidos, sendo o de Framingham o mais utilizado (tabela 2).



Tabela 2 - Critérios de Framingham




3.2 Eletrocardiograma (ECG)


Embora não existam alterações característica de IC, o ECG apresenta valor preditivo negativo excepcional (98%). Na suspeita de IC, um ECG normal torna a hipótese improvável.


Crescimentos cavitários, arritmias, bloqueios de ramo, distúrbios da repolarização constituem as alterações mais comuns.


Áreas de cicatriz secundárias e infarto, alterações isquêmicas, podem despertar atenção para a necessidade de estudo hemodinâmico, com ou sem intervenção, favorecendo a resolução ou alívio da IC.


Comprometimentos agudos das cavidades direitas, no tromboembolismo pulmonar, intoxicações medicamentosas (alargamento do QT), distúrbios eletrolíticos, particularmente do potássio e cálcio podem ser diagnosticados.


3.3 Radiografia de tórax


Na exploração inicial, o que chama a atenção é o aumento da área cardíaca em graus variáveis, diagnosticada pelo índice cardiotorácico acima de 0,55. Após reconhecer o aumento, esquadrinham-se os sinais isolados de crescimento de cada cavidade.


Se a cardiomegalia sugere a origem cardíaca do mal, a análise circulação pulmonar permite avaliar o grau de descompensação. Duas alterações importantes encontram sinais na radiografia: a hipertensão arterial pulmonar e a hipertensão venocapilar pulmonar.


3.4 Ecocardiograma (ECO)


Permite a análise rápida e eficiente da anatomia cardíaca e da dinâmica de fluxo, propiciando diagnósticos acurados.


O ECO proporciona a medida exata do diâmetro e volume das cavidades cardíacas. Baseado no registro anatômico e na análise do fluxo através do sistema Doppler, várias informações hemodinâmicas relevantes passam a estar disponível para o clínico.


O cálculo da fração de ejeção separa os dois grandes grupos de IC: ICFER ou ICFEP.


Diagnostica e quantifica as valvulopatias, sugere o momento cirúrgico e pode implicar a doença valvar como a etiologia da IC.


As pressões de enchimento dos ventrículos são avaliadas pela relação E/e’ à esquerda e pelo calibre e oscilação do diâmetro da cava inferior à direita. A pressão arterial pulmonar pode ser estimada.


A análise da função diastólica na prática clínica só foi possível com advento do Doppler. Sabendo que o enchimento do VE se faz em duas fases, a de enchimento rápido (onda E) e a contração atrial (onda A), o Doppler viabiliza o estudo de cada uma dessas fases, propiciando a classificação da disfunção diastólica em 3 graus: aumento da onda A na leve; pseudo normalização na moderada e onda E única na forma grave (figura 4).


Figura 4 – Avaliação da função diastólica



PAE = Pressão atrial esquerda; DD = disfunção diastólica


A ultrassonografia pulmonar (USP) à beira do leito, principalmente nos serviços de urgência e UTIs, ganha cada dia mais defensores. A USP identifica as linhas de Kerley (principalmente as do tipo B), que representa líquido no interstício pulmonar, cujo número deve ser inferior a 3 (figura 5).



Figura 5 – Ultrassonografia pulmonar


3.5 Exames laboratoriais de rotina


Os seguintes testes diagnósticos são recomendados para avaliação inicial de um paciente com IC: hemograma completo, sódio, potássio, creatinina (com TFG estimada), testes da função hepática (bilirrubina, TGO, TGP, GGTP), glicose, HbA1c, perfil lipídico, eletrólitos (sódio e potássio), TSH, ferritina, saturação da transferrina, capacidade de ligação do ferro e os PN.


Os PN (BNP e NT-pró-BNP) surgiram como ferramenta útil diagnostica de IC. Produzido no miócito, os PN são liberados na circulação em casos de estiramento da miofibrila. O NT-pro-BNP é o mais indicado por não sofrer interferência dos bloqueadores da neprilisina. A tabela 3 mostra os pontos de corte.



Tabela 3 – Valores de referência para BNP e NT-pro-BNP


A troponina pode se apresentar levemente aumentada nos quadros graves de IC.


A avaliação da função renal é de extraordinária importância no acompanhamento clínico, orientação terapêutica e prognóstico.


A necessidade de outras dosagens deve ser julgada a luz da imperiosa necessidade clínica, evitando avaliações fúteis.



3.6 Outros exames


A ressonância magnética (RM) é essencial na avaliação da IC. Permite avaliação anatômica e funcional primorosas. Presta-se ainda a outras indicações como: avaliação de isquemia e viabilidade miocárdica; suspeitas de miocardite; diagnóstico diferencial nos casos com elevação dos marcadores de necrose miocárdica em quadros atípicos, ou sem lesão coronariana definida; suspeita de cardiomiopatia arritmogênica do VD; miocárdio não compactado e na estratificação de risco da cardiomiopatia hipertrófica; diagnóstico etiológico de pacientes com miocardiopatia restritiva (amiloidose, hemossiderose); avaliação de massas cardíacas e doenças do pericárdio.


O estudo hemodinâmico pode ser necessário nos casos de angina típica, múltiplos fatores de risco, história de infarto e nos candidatos a revascularização miocárdica.


4- Classificação dos pacientes

O American College of Cardiology / American Heart Association classifica a IC em quatro estágios (figura 6).



Figura 6 – Classificação do American College of Cardiology / American Heart Association e da New York Heart Association



A classificação da NYHA é baseada nos sintomas. Os da classe I com sintomas aos grandes esforços, da classe II aos esforços habituais, classe III menores que os habituais e classe IV sintomáticos em repouso.


Os pacientes também devem ser identificados de acordo com seu estado hemodinâmico (figura 7), conforme apresentem sinais de congestão pulmonar, ou baixo débito. Esta classificação tem grande importância no planejamento terapêutico.



Figura 7 – Avaliação do estado hemodinâmico

5- Tratamento


Feito o diagnóstico de IC, procura-se detectar e remover possíveis fatores precipitantes ou agravantes. Os principais são: infecções, insuficiência renal, interrupção de medicação, excessos físicos e alimentares, hipertensão arterial, isquemia miocárdica, arritmias, anemia, embolia pulmonar, hipertireoidismo, obesidade, endocardite e medicamentos (antinflamatórios, bloqueadores de cálcio, cilostasol e glitazonas).


A reabilitação cardiovascular está indicada, com inúmeros benefícios, nos pacientes de classe funcional I-III, preferencialmente em centros especializados.


A abstenção do sal permanece controversa. Dietas restritivas, embora reduzam a volemia, a atividade do SRAA e a PA, predispõe a má nutrição, além de redução do DC. Existem estudos mostrando aumento da mortalidade na privação severa. O peso diário ao despertar é benéfico, uma vez que ganho exagerado (> 2 Kg/dia) sinaliza para retenção hídrica, propiciando medidas de controle.


Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA), os antagonistas da neprelisina (ARNI), os betabloqueadores, os antagonistas dos mineraloreceptores (AMR) e os inibidores dos SGLT2 (proteína transportadora do sódio e glicose) reduzem a letalidade (figura 8).



Figura 8 – Medicamentos e intervenções na IC



5.1 Inibidores da enzima conversora da angiotensina e bloqueadores do receptor da angiotensina


Os IECA impedem a conversão de angiotensina I em angiotensina II, enquanto os BRA inibem o receptor 1 da angiotensina II, maior responsável pelos efeitos do SRAA. O bloqueio diminui a atividade simpática, reduz secreção de vasopressina, aldosterona, além da ação vasodilatadora direta e natriurética. Os IECA apresentam o benefício adicional de bloquear a degradação da bradicinina, produzindo mais vasodilatação, liberação de prostaglandinas e ativador do plasminogênio tissular.


Controlam os sintomas e são eficientes em provocar remodelamento reverso, com diminuição da cavidade ventricular e melhora da fração de ejeção. Desta forma, são recomendados, mesmo nos assintomáticos.


Apresentam marcados benefícios renais por diminuir a pressão de filtração, graças à vasodilatação da arteríola eferente.


Estudos realizados com os IECA mostram que as doses preconizadas pelos estudos devem ser perseguidas para se obter os benefícios sobre a mortalidade, partindo de doses menores iniciais. Na impossibilidade do uso de IECA, a preferência recai sobre os BRA.


5.2 Inibidores da degradação da neprilisina


O sacubitril é o único disponível comercialmente, apresentado em associação com a valsartana sob a forma de molécula única. Uma vez ingerido dissociam-se e cada um vai exercer sua ação, o valsartana sobre o SRAA e o sacubitril inibindo a neprilisina, responsável pela degradação de diversos peptídeos como os PN, bradicinina, angiotensina, endotelina, substância beta-amiloide, dentre outros. O aumento dos níveis séricos dos PN tem benefícios singulares, reduzindo a volemia, por ação diurética e natriurética, redução da resistência vascular periférica, benefícios lusitrópicos, além de redução da fibrose, hipertrofia e inflamação. Diminui a atividade do SRAA e SNS, melhorando o fluxo plasmático renal. A ação sobre outros peptídeos explica os efeitos metabólicos benéficos nos lípides e glicose.


O bloqueio da neprilisina aumenta os níveis séricos de angiotensina II, por impedir sua degradação, devendo sempre ser utilizado com um bloqueador do SRAA. O uso preferencial do BRA reside na menor probabilidade de angioedema. Pacientes em uso de IECA, que irão migrar para sacubitril/valsartana, devem ter a medicação suspensa por 36 horas.


Existem benefícios evidentes do composto sacubitril valsartana, sobre os IECA e BRA isolados.


5.3 Betabloqueadores


São medicamentos extremamente eficazes no paciente com IC. Aumentam a densidade de receptores b-1, inibem a toxicidade das catecolaminas, diminuem a ativação neuro-humoral total, reduzem a FC, com efeitos antiarrítmicos, antianginosos e anti-hipertensivos.


Reduzem significativamente a mortalidade e internação (~30%) e, paradoxalmente, promove melhora significativa da fração de ejeção, por marcado remodelamento reverso.


Não apresentam efeito de classe, sendo utilizados o carvedilol, o metoprolol, o bisoprolol e, eventualmente, o nebivolol. Da mesma forma que os IECA/BRA devem ser utilizados na maior dose preconizada. A dose inicial recomendada é sempre muito inferior a esta, normalmente um quarto da dose, aumentando-se progressivamente até atingir o alvo, visto os pacientes com IC serem altamente dependentes da estimulação do SNS. O bloqueio súbito pode trazer graves complicações.

5.4 Antagonistas dos mineraloreceptores:


A aldosterona, produzida em vários sítios, promove retenção de sódio e água, contribuindo para efeitos congestivos observados na IC. Leva a espoliação de potássio e magnésio, favorecendo o aparecimento de arritmias e morte súbita.


Contudo, o efeito mais significativo reside na maior deposição de colágeno, propiciando a fibrose miocárdica e vascular.


O bloqueio da aldosterona impede todas essas ações, permitindo maior estabilidade e menor mortalidade.


5.5 Inibidores do transportador 2 do sódio e glicose


Os inibidores de SGLT2, como a dapagliflozina e a empagliflozina, atuam como hipoglicemiantes orais pela inibição da reabsorção de glicose nos túbulos proximais do néfron. Há também perda de peso. Lançados como hipoglicemiantes, logo foi constatado importantes efeitos cardiovasculares como redução da hospitalização por IC. Posteriormente, estudos específicos em pacientes diabéticos ou não, para controle da IC, foram desenvolvidos, com resultados surpreendentes. Houve significativa melhora sintomática, menos hospitalização e remodelamento reverso significativo. No estudo com a dapagliflozina houve ainda redução da mortalidade total e CV.


O mecanismo proposto para estes benefícios ainda é mal conhecido e independe da ação hipoglicemiante. Os efeitos na natriurese, antinflamatórios e antifibróticos, a redução da PA, o aumento na metabolização de cetonas e ácidos graxos livres pelo coração o que parece levar a uma melhor eficiência energética, podem contribuir.


A utilização desses quatro fármacos é primordial para tratamento da IC, trazendo benefícios incomparáveis no aumento da sobrevida e redução da hospitalização (tabela 4).



Tabela 4 – Tratamento otimizado da IC


5.6 Diuréticos


São os mais eficazes na redução de fenômenos congestivos, porém levam à estimação neurohumoral, reduzem a taxa de filtração glomerular e podem produzir depleção de potássio. Diminuem a pré-carga, pela ação na volemia, mitigando os sintomas de congestão. Sem efeito no DC, podem reduzi-lo se houver quedas acentuadas da pré-carga.


O mais utilizado é a furosemida, potente diurético de alça. A hidroclorotiazida pode ser empregada quando se deseja diurese menos pronunciada ou, associada à furosemida, quando necessário potencialização do efeito de ambos.



5.7 Digital


A ação do digital se faz pelo bloqueio da bomba de sódio (inibição da Na/K-ATPase), levando a aumento do sódio intracelular, favorecendo a troca do sódio pelo cálcio, resultando em aumento da contratilidade. Outras ações podem ser mais relevantes, como o efeito vagal e melhora da sensibilidade dos barorreceptores.


Como agente inotrópico a ação é irrelevante, quando comparada a inotrópicos potentes. Estes, quando utilizados, só mostram algum benefício quando do uso em curto prazo, seguido de aumento de mortalidade com a manutenção do tratamento.


O maior problema desse fármaco é que o nível sérico terapêutico é muito próximo do tóxico. É recomendado em doses baixas, para redução da resposta ventricular em casos selecionados.



5.8 Ivabradina


A ivabradina é uma medicação que atua no nó sinusal, inibindo de forma seletiva a corrente “If”, reduzindo a FC no repouso e esforço. Não se aplica na fibrilação atrial.


É recomendada nos doentes em que a FC permanece acima de 70 bpm e que toleram menos de 50% da dose alvo recomendada de betabloqueadores.


A substância não tem efeito na mortalidade e aumenta o risco de fibrilação atrial, com um NNH de 83.



5.9 Associação nitrato/hidralazina


O racional para o uso da associação nitrato/hidralazina é a redução balanceada da pré e pós-carga, melhorando a função sistólica, a capacidade física e remodelamento do VE.


O maior estudo foi feito em afrodescendentes, com doses elevadas da associação, com redução significativa da hospitalização, mortalidade e melhora da qualidade de vida.


Nas diretrizes seu uso é recomendado nos pacientes que persistem sintomáticos, mesmo com tratamento otimizado e nos intolerantes a IECA/BRA, independente da etnia.



5.10 Dispositivos ou procedimentos


A terapia de ressincronização cardíaca, com implante de marcapasso dupla câmara e sincronização atrial, levando a uma contração uniforme dos dois ventrículos, tem impacto significativo na mortalidade, hospitalização e qualidade de vida.


Seu uso é consenso nos pacientes sintomáticos (NYHA II/III), ritmo sinusal, em terapia plena, quando a FE ≤ 35%, QRS com duração superior a 150 ms, principalmente na presença de bloqueio completo de ramo esquerdo.


Outro procedimento útil na IC é o uso de cardioversores implantáveis (CDI). Em pacientes ressuscitados, após parada cardíaca (prevenção primária), o emprego deste recurso é incontestável. Contudo, na prevenção secundária a utilização não é consenso e de difícil padronização, tendo em vista o custo do procedimento e não influir na progressão da doença.


A fibrilação atrial, levando a comprometimento da função ventricular pela perda da contração atrial, foi tolerada por anos em portadores de IC. Estudos recentes demonstraram os benefícios do ritmo sinusal e as vantagens da ablação, que deve ser considerada dependendo da experiência do time. Vale lembrar, que neste caso persiste a indicação da anticoagulação.




6 - Leituras recomendadas:

Maddox, MT et al. 2021 Update to 2017 ECDP for Optimization of Heart Failure Treatment. JACC 2021. 77: 772-810.


https://www.jacc.org/doi/10.1016/j.jacc.2020.11.022.


Ponikowski, P et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. European Heart Journal, 2016. 37: 2129–2200. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehw128.


Atherton , JJ et al. National Heart Foundation of Australia and Cardiac Society of Australia and New Zealand: Guidelines for the Prevention, Detection, and Management of Heart Failure in Australia 2018. Heart, Lung and Circulation (2018) 27, 1123–1208.


https://doi.org/10.1016/j.hlc.2018.06.1042.


Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(3):436-539.


Robert, JH et al. A Novel Approach to Medical Management of Heart Failure with Reduced Ejection Fraction. Articles in press. Can J Cardiol 2021. http://dx.doi.org/10.1016/j.cjca.2020.12.028.


Bauersachs J, Heart failure drug treatment: the fantastic four J. European Heart Journal (2021) 00, 1–3.


Bass NA, et al. Association of optimal implementation of sodium-glucose cotransporter 2 inhibitor therapy with outcome for patients with heart failure. JAMA Cardiol. 2020;5(8):948-951.





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