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Tema em Destaque: rinite alérgica: o que é, diagnóstico e conduta terapêutica

Atualizado: 4 de mai. de 2023

Doutor Fernando Aarestrup

Especialista em Alergia e Imunologia


Considerações gerais


A definição atual de rinite alérgica (RA) baseia-se na combinação de história e exame clínico e investigação de sensibilização com alérgenos utilizando testes alérgicos adequados e/ou investigação de IgE sérica específica no soro.

O diagnóstico diferencial deve-se levar em consideração que existem três grandes subgrupos: rinite alérgica, rinite infecciosa e não alérgica/não infecciosa.

A incidência e a prevalência da RA aumentaram significativamente em todo o mundo após o início do século XXI, particularmente nos países ocidentais.

Estudos epidemiológicos demonstram que a RAcompromete de 10% a 40% da população mundial.

Os sintomas clássicos da RA são prurido nasal, espirros, rinorréia e congestão nasal.

Os sintomas oculares também são muito frequentes; a rinoconjuntivite alérgica está associada a prurido ocular, hiperemia e lacrimejamento.

A RA favorece e agrava o desenvolvimento de outras morbidades, tais como: asma, otite, sinusite, má oclusão dentária com respiração bucal e distúrbios do sono.

A RA também é frequentemente associada à asma; 15% a 38% dos pacientes com RA desenvolvem asma concomitantemente.

Esta doença compromete significativamente a qualidade de vida, prejudicando o desenvolvimento escolar, particularmente em crianças, e as atividades profissionais em adultos.

Sexo feminino, poluição do ar e tabagismo materno aumentam o risco de desenvolvimento de RA

No Brasil, os ácaros da poeira domiciliar Dermatophagoides farinae (Df), Dermatophagoides pteronyssinus (Dp) and Blomia tropicalis (Bt) são os principais alérgenos associados à etiologia da RA.

Bt é um ácaro da poeira domiciliar característico dos países de clima tropical e subtropical, com poucos estudos abordando seu uso em imunoterapia com alérgenos (ITA).

Estes alérgenos envolvidos na etiopatogênese da RA são também associados ao desenvolvimento da asma.

RA e asma são caracterizadas pela presença de processo inflamatório crônico das vias aéreas caracterizando o fenômeno que chamamos de “vias aéreas unidas” em alergia respiratória . Apresentando o mesmo padrão celular e perfil de produção de citocinas

Classicamente, o “Guideline” internacional Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma [ARIA], classifica a RAde acordo com a frequência (persistente ou intermitente) e a intensidade dos sinais e sintomas (leve, moderada e grave).

Com o desenvolvimento e valorização da medicina de precisão, as rinites, assim como observado na asma, passaram a ser caracterizadas de acordo com seus fenótipos e endótipos.

Atualmente, é postulado que as diferenças clínicas nas respostas ao tratamento, ou no curso da doença ao longo do tempo, estão relacionadas com variações subjacentes em genética individual e mecanismos imunológicos caracterizando a carga genética associada à RA que denominamos endótipos. Estes endótipos determinam as características clínicas de cada indivíduo portador da doença que denominamos fenótipos .

O exposto acima é um conceito fundamental da medicina de precisão (MP) que indica possibilidades diferentes de tratamento para uma mesma doença, direcionado pela caracterização do endótipo e fenótipo do paciente.

A classificação de endótipos e fenótipos determina a escolha da terapêutica e levou ao uso de termos como “medicina de precisão” ou “medicina personalizada” para direcionar a terapêutica o mais especificamente possível,


Imunopatologia


Com a finalidade de compreendermos os mecanismos imunopatológicos e subsidiar o diagnóstico diferencial dos diferentes tipos de rinite, descrevemos a seguir a definição dos endótipos.

São propostos quatro tipos de endótipos para as rinites: inflamação ““Tipo 2” ” (T2), inflamação “Não-”Tipo 2” ” (Não-T2), rinite neurogênica e disfunção epitelial.

Substâncias ambientais de baixo peso molecular ( geralmente associadas à atividades ocupacionais ) que levam ao aumento da síntese de linfopoietina do estroma tímico ( TSLP) , IL-33 e IL-25 pelas células epiteliais e podem iniciar ou agravar uma resposta imunológica de tipo 2.

A figura 1 representa esquematicamente a caracterização dos endótipos da RA.

Os fenótipos se caracterizam pelas seguintes características clínicas : presença ou não de sensibilização alérgica , comorbidades , duração , idade e severidade.


RA com inflamação““Tipo 2” ” (T2)


Este endótipo é denominado “inflamação “Tipo 2” ” ou “resposta imune “Tipo 2” ”.

O endótipo T2 é o mais comum observado na RA.

Classicamente, é acompanhado por resposta imunológica sistêmica na qual predominam as citocinas do ““Tipo 2” ”produzidas pelas células T CD4, células linfóides inatas do ““Tipo 2” ”e basófilos, podendo estar associado à eosinofilia periférica e em mucosa nasal.

Caracteristicamente, os testes alérgicosevidenciam sensibilização com alérgenos ambientais.

A ITA apresenta evidências de segurança e eficácia sendo o tratamento padrão ouro capaz de mudar a história natural da RA.

A sensibilização na mucosa nasal se inicia com a apresentação dos alérgenos pelas células apresentadoras de antígenos (APC: antigen presenting cells), como células dendríticas, macrófagos, células de Langerhans, para linfócitos T CD4+ virgens (naive cells).

Indivíduos com predisposição genética na presença de alérgenos apresentam uma tendência à diferenciação das células T CD4+ virgens em células Th2.

Os linfócitos Th2 secretam um perfil de citocinas (IL-4, IL5 e IL13) que induzem a produção de IgE e o recrutamento de eosinófilos para o sítio do processo alérgico inflamatório.

As células T reguladoras (CD25+, Treg’s) que suprimem tanto a resposta Th1 quanto a resposta Th2 possuem papel importante na regulação da inflamação alérgica.

A ligação da IgE alérgeno-específica a receptores na membrana celular dos mastócitos induz a degranulação com liberação imediata de vários mediadores inflamatórios como: histamina, triptase, leucotrienos, cininas, proteína básica principal (MPB: main basic protein) e fator ativador de plaquetas (PAF: platelet activating factor).

Histamina e leucotrienos são os principais mediadores responsáveis pelos espirros, pruridos nasal e ocular, rinorréia e obstrução nasal, que ocorrem logo após a exposição ao alérgeno.

Alguns pacientes apresentam recidiva dos sinais e sintomas horas após a exposição ao alérgeno caracterizando a chamada “resposta tardia”.


Rinite com inflamação não -"Tipo 2" (Não-T2)


Este endótipo é denominado “inflamação não-”Tipo 2” ” ou “resposta imune Tipo 1”.

Resposta imune inata e adaptativa do tipo 1 com produção de interleucina-17 (IL-17) promovendo influxo de neutrófilos e de células T produtoras de interferon gamma (IFN-g) e fator de necrose tumoral alpha (TNF-a), geralmente associado à rinite infecciosa.

A sensibilização alérgica não é observadaneste endótipo.


Rinite neurogênica


Este endótipo é caracterizado por uma relativa superexpressão de receptores sensoriais no nervo trigêmeo e altas concentrações de substância P.

Manifesta-se clinicamente como rinite gustativa, rinite dos idosos e rinite idiopática com hiper-reatividade nasal.


Disfunção epitelial


A disfunção epitelial pode ser primária ou secundária ao endótipo ““Tipo 2” ” ou ao endótipo “Tipo 1”.




FIGURA 1: Visão esquemática geral dos endótipos de rinite. ILC (Innate lymphoid cell,célula linfóide inata). IR (idiopathic rhinitis,rinite idiopática). NHR (nasal hyperreactivity,hiper-reactividade nasal). NK (neurokinin,neuroquinina). SP (substance P, substância P). TRP (transient receptor potential, potencial receptor transitório). Modificado de Muraro et al (2016).

Diagnóstico

História e exame físico


A RA é caracterizada pela presença de um ou mais dos seguintes sintomas: congestão, espirros, prurido e rinorréia anterior e/ou posterior.

Frequentemente, a congestão nasal é observada com alternância dos lados.

Obstrução unilateral sempre do mesmo lado sugere alterações anatômicas tais como: desvio de septo, pólipo nasal e tumores.

A presença de corpos estranhos também deve ser investigada em casos de obstrução nasal persistente, principalmente em crianças.

Rinorréia com secreção variávelde clara a cor branca.

Presença de prega de Dennie-Morgan.

Sinais e sintomas oculares tais como prurido, eritema e lacrimejamento.

Tosse, anosmia, halitose e cefaléia também podem ser observados.

A identificação dos possíveis estímulos alergênicos é importante para estabelecermos estratégias de prevenção efetivas.

Principais alérgenos “indoor”: os ácaros Dermatophagoidespteronyssinus(Dp), Dermatophagoides farinae(Df)e Blomia tropicalis(Bt), pelo de animais domésticos e fungos.

Ocorrência de sintomas em épocas específicas do ano sugerem sensibilização por alérgenos “outdoor” tais como pólens e fungos.

A rinoscopia com auxílio de espéculo nasal ou otoscópio geralmente revela mucosa pálida e edemaciada, e hipertrofia de cornetos nasais.

A nasofibroscopia é indicada em casos de obstrução unilateral e quando os sintomas são refratários após tratamento.


Exames complementares


IgE total elevada sugere doença alérgica, entretanto nível normal de IgE não exclui o diagnóstico de RA.(I, A)

Eosinofilia no sangue periférico é rara e não constitui marca diagnóstica. (I, A)

A citologia nasal não é recomendada como procedimento diagnóstico de rotina. (I, A)

O teste cutâneo alérgico de leitura imediata (prick test) apresenta a melhor combinação de especificidade e sensibilidade para determinação de IgE específica. (I, A)

A determinação da IgE específica no soro (ImmunoCAP®) é uma opção quando a suspensão do emprego dos anti-histamínicos não pode ser realizada ou em casos de presença de dermatite e/ou dermografismo dificultando a leitura do teste cutâneo alérgico de leitura imediata. (I, A)

A tomografia computadorizada (TC) é o exame indicado para investigar sinusite.(I, A)

Espessamento mucoperiosteal na parede dos seios da face é um achado tomográfico que sugere rinossinusite alérgica.(I, A)


Diagnóstico diferencial


Rinite vasomotora: caracteriza-se por congestão nasal intensa e rinorréia aquosa. Provocada por exercício, ar frio, ato sexual, fumaça de cigarro, distúrbio emocional e odores fortes.

Rinite gustatória: tipo de rinite vasomotora caracterizada pela presença de rinorréia aquosa logo após a ingestão de alimentos apimentados.

Rinite não alérgica com eosinofilia: presença de aumento de IgE na mucosa nasal sem evidências de aumento da IgE soro(prick test e ImmunoCAP® negativos).

Rinite associada a drogas: provocada por descongestionantes tópicos nasais, consumo de cocaína, anti-hipertensivos, psicotrópicos e antiinflamatórios não esteroides.

Rinite infeciosa.

Rinite hormonal: relacionada aos níveis de estrogênio.



Conduta Terapêutica


Prevenção


Diminuição da exposição aos alérgenos é considerada a primeira linha no manejo terapêutico na rinite alérgica. (II, A)

O controle ambiental no quarto de dormir é uma estratégia importante no tratamento preventivo da rinite alérgica induzida por ácaros. (II, A)

Retirar tapetes, carpetes, cortinas e encapar colchão e travesseiro parecem ser medidas efetivas no controle da exposição a ácaros. (II, A)

Banhos frequentes (semanais) nos animais de estimação (cães e gatos) podem contribuir para a redução dos sinais e sintomas de indivíduos sensibilizados por pelos de animais. (II, A)


Farmacoterapia


Anti-histamínicos sistêmicos causam alívio da rinorréia, do prurido, dos sintomas oculares e dos espirros, entretanto não causam alívio da congestão nasal. (I, A)

Osanti-histamínicos não sedativos (segundageração) devem ser preferencialmenteutilizados.(I, A)

Os anti-histamínicos tópicos (Ex: azelastina)apresentam eficácia no controle dos sinais e sintomas da rinite alérgica, entretanto, é comum a queixa de sonolência e de alteração no paladar. (I, A)

Os descongestionantes tópicos e sistêmicos atuam somente na redução da congestão nasal, não interferindo nos outros sintomas da RA. (I, A)

Uso de descongestionante nasaltópico por mais de cinco dias consecutivos pode causar efeito rebote levando a congestão refratária. (I, A)

O uso crônico de descongestionante nasal tópicocausa rinite medicamentosa caracterizada por sintomas persistentes graves como obstrução, perda de olfato e rinorréia refratária ao tratamento. Complicações nos sistemas cardiovascular e renal também podem ser resultado do uso crônico prolongado destes medicamentos. Nestes casos pode ocorrer dependência física e psíquica.

Os corticóides intranasais são efetivos no controle dos sintomas da rinite alérgica. (I, A)

A maioria das falhas terapêuticas ocorre em virtude da aplicação incorreta dos corticóides intranasais.

Cursos curtos de corticoterapia via oralem doses adequadas (1mg/Kg /peso/dia, até 60 mg/dia) podem ser utilizados em casos graves. (I, A). Doses acima de 60 mg/dia podem causar imunossupressão.

Os antagonistas do receptor de leucotrienos (ARL) como o Montelucaste, são indicados como agentes terapêuticos adicionais aos corticoides nasais e anti-histamínicos por via oral em casos refratários ou de difícil controle. (I, A)

Os ARL’s são considerados menos eficazes que os anti-histamínicos de segunda geração por via oral. Estes medicamentos não são indicados para monoterapia.

Alguns pacientes com RA que têm concomitantemente asma, especialmente asma induzida por exercício e/oudoença respiratória exacerbada por aspirina (DREA), podem ter benefícios com o emprego de ARL mais do que de um anti-histamínico oral. (II, A).

Pacientes com asma que têm concomitantemente RA deve receber tratamento adequado de acordo com as diretrizes para o tratamento da asma.

Em mulheres grávidas a terapia não farmacológica deve ser sempre a primeira escolha focalizando o controle ambiental rigoroso.

Caso não ocorra o controle dos sintomas em mulheres grávidas com o controle ambiental,a budesonida é o corticóide nasal de escolha. (I, A)

Por muito tempo,a difenidramina e a clorofeniramina foram os anti-histamínicosmais indicados para grávidas. Atualmente, o uso de anti-histamínicos de primeira geração apresenta algumas restrições.

Em mulheres grávidas, o emprego de cada medicamento deve ser avaliado de acordo com os riscos e benefícios. São relativamente seguros durante a gravidez: corticóides intranasais e inalatórios (droga de escolha:budesonida) e anti-histamínicos de segunda geração (drogas de escolha: cetirizina, loratadina).

ARL’spodem ser considerados opção em mulheres grávidas devendo avaliar o uso após medidas terapêuticas (corticoterapia nasal, controle ambiental e anti-histamícos) serem utilizados sem resultados satisfatórios.

Em grávidas deve ser evitada utilização de descongestionantes via oral durante o primeiro trimestre da gravidez.


Imunoterapiacom alérgenos(ITA)


A imunoterapia com alérgeno (ITA, AIT:allergen immunotherapy), é o único tratamento capaz de modificar a história natural da rinite alérgica diminuindo os sinais e sintomas por longo tempo e prevenindo o desenvolvimento de asma. (I, A)

A ITA aplicada por via subcutânea (subcutaneous immunotherapy:SCIT) e a por via sublingual (sublingual immunotherapy:SLIT) possuem excelentepotencial terapêutico no tratamento da rinite alérgica. ( I, A)

A ITA pode ser mantida em mulheres grávidas caso a redução dos sintomas sejam satisfatórios e não exista história de reações sistêmicas. (I, A)

Em mulheres grávidas as doses dos alérgenos devem ser mantidas, mas não deve ser aumentada até o final da gravidez. (I, A)

A ITA não deve ser iniciada em mulheres grávidas embora não existam relatos de efeitos colaterais que interferem na gravidez (I, A)

Todos os consensos da área consideram a ITA o único tratamento capaz de modificar a resposta imunológica alérgeno específica promovendo dessensibilização e estado de tolerância. O controle da rinite permanece satisfatório à longo prazo mesmo após o término da ITA. (I, A).




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