Dr. Abrahão Elias Hallack Neto
1 - Introdução
O Mieloma Múltiplo (MM) é uma neoplasia maligna das células B caracterizada pela proliferação clonal de plasmócitos na medula óssea (MO), com consequente aparecimento de proteínas monoclonais (proteína M) séricas e urinárias resultando em lesão orgânica. 1-3
Na população geral, o MM tem incidência de cerca de 4 para 100.000 pessoas, correspondendo a 1% dos cânceres e 10% das neoplasias hematológicas. No Brasil, não há exatidão sobre a sua incidência, sendo a mediana de idade ao diagnóstico de 60,5 anos, na maioria das vezes feito em fases avançadas da doença, com aumento da incidência com avançar da idade, chegando a 40 casos por 100.000 ano na faixa etária de 80 anos, sendo raro em jovens (2% em menores que 40 anos).1-2
Existem grandes disparidades raciais em todos os estágios da doença. Em comparação com os brancos, os negros têm risco aumentado de gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) e MM, além de uma taxa de mortalidade mais alta, e não experimentaram os mesmos ganhos de sobrevivência ao longo do tempo. As raízes dessa disparidade são, provavelmente, de natureza multifatorial. Comparações de pacientes com MGUS e MM em negros e brancos sugerem que existem diferenças nos fatores de risco, biologia e características clínicas, por raça ou ancestralidade, o que pode explicar algumas das disparidades observadas no MM.4
A proteína M pode ser composta por uma imunoglobulina (Ig) de cadeia pesada, sendo a IgG a mais prevalente, associada a uma proteína de cadeia leve, podendo ser confirmada através de uma imunofixação de proteínas. 5,6 A dosagem de imunoglobulinas, nas frações IgG, IgA e IgM, quando reduzidas levam a um quadro denominado imunoparesia.
Os pacientes em que a proteína monoclonal é indetectável, denominado MM “não secretor”, ou seja, apresentam imunofixação sérica e urinária de proteínas negativas. 1 Embora, em alguns raros casos de MM não secretor podemos observar uma relação κ / λ alterada, denotando aumento de cadeias leves livres.5
Em relação às cadeias leves de imunoglobulinas séricas, κ ou λ, estas são proteínas que permanecem livres no soro. Geralmente, estão presentes em quantidade mínima e são filtradas no momento de sua passagem do plasma para a urina. A relação κ / λ aumentada ou diminuída reflete o excesso de uma dessas frações e pode conotar a presença de doença ativa. 5
Em relação ao tipo de proteína monoclonal, a mais frequente em nosso meio é a IG, seguida da IgA conforme a tabela abaixo (Tabela 1). 7
O tratamento está indicado na doença sintomática, que por definição é a presença de disfunção orgânica relacionada ao MM 1,3. Quando encontramos os critérios diagnósticos do MM em um paciente assintomático, isto é, com ausência de disfunção de órgãos, estamos diante de um quadro denominado mieloma múltiplo indolente ou assintomático (smoldering). 5
2 – Fisiopatologia
A prevalência de MGUS em parentes aumenta com a idade (1,9%, 6,9%, 11,6%, 14,6%, 21,0% para idades de 40-49, 50-59, 60-69, 70-79, ≥ 80 anos, respectivamente; P < .001). Com risco maior de MGUS em parentes (razão de risco ajustada para idade [RR], 2,6; IC de 95%, 1,9 a 3,4) em comparação com a população de geral. O risco aumentado foi observado entre parentes de MM (RR, 2,0; IC de 95%, 1,4 a 2,8) e MGUS (RR, 3,3; IC de 95%, 2,1 a 4,8). O risco aumentado de MGUS em parentes de primeiro grau de pacientes com MGUS ou MM sugere um componente genético em sua fisiopatologia.8
A fisiopatologia da doença envolve os plasmócitos do centro pós-germinativo que apresentam alterações ao nível de imunoglobulinas e mutações somáticas, ocasionando a secreção de proteínas monoclonais. As alterações genéticas dessas células tumorais permanecem pouco esclarecidas, entretanto, é sabido que o aumento de ciclina D está associado a um evento precoce da doença. 5 A expressão da ciclina D1, D2 ou D3 parece estar aumentada e/ou desregulada virtualmente em todos os pacientes com MM, apesar de sua baixa capacidade proliferativa. A desregulação bialélica da ciclina D1 ocorre em quase 40% dos tumores, a maioria das quais em hiperdiploide. 9
Dependências oncogênicas foram identificadas entre mutações em genes condutores, regiões comuns de mudança no número de cópias e translocação primária e eventos de hiperdiploidia. Essas dependências incluíram associações com t (4; 14) e mutações em FGFR3, DIS3 e PRKD2; t (11; 14) com mutações na ciclina D1 e IRF4; t (14; 16) com mutações em MAF, BRAF, DIS3 e ATM; e hiperdiploidia com ganho 11q, mutações em FAM46C e rearranjos de MYC.10
Mutações na ciclina D1 e alterações na via de reparo do DNA (mutações em TP53, ATM, ATR e ZNFHX4) estão associadas a um impacto negativo na sobrevida. Em contraste, as mutações no IRF4 e EGR1 estão associadas a uma sobrevida global favorável. 11
Em análise das vias intrínsecas das células plasmocitárias clonais, observamos que pacientes com MM apresentam alteração na transdução do sinal por meio de mutações de Ras (mutações relativamente comuns em pacientes com MM), sendo descritas com maior frequência a do gene N-Ras, no codão 61, e a segunda mais frequente no codão 12. Essas mutações afetam negativamente a sobrevida e podem reduzir a resposta ao tratamento quimioterápico.12
Semelhante às vias intrínsecas, existem fatores descritos que são extrínsecos à célula mielomatosa, e igualmente importantes na sobrevida e progressão desta patologia. Um exemplo é a produção de IL-6 que ocorre habitualmente no estroma da medula óssea (MO). 12 Os plasmócitos interagem com o microambiente medular, e são responsáveis pelo aumento da atividade osteoclástica, através do aumento da IL-6, levando à angiogênese, à proliferação de osteoclastos e à inibição do osteoblasto, acarretando na presença de lesões ósseas.13 A IL-6 também age como fator antiapoptótico, o que confere uma resistência à apoptose induzida por fármacos, e uma pior resposta ao tratamento clínico.12,13
3 - Achados clínicos
Os pacientes, às vezes, são identificados apenas pela presença da proteína M em exames de rotina, embora a maioria dos pacientes apresente sinais e sintomas de danos aos órgãos (por exemplo, dor óssea e fraturas, infecções, anemia, insuficiência renal e hiperviscosidade). Uma investigação diagnóstica detalhada de pacientes com MGUS ou MM indolente é necessária para diferenciar do MM sintomático, usando critérios clínicos, bioquímicos e radiológicos. No momento do diagnóstico, uma detalhada história médica, exame físico e laboratoriais. As principais disfunções orgânicas e complicações associadas ao MM são:
- Anemia: É uma das manifestações mais frequentes no paciente com MM, estando presente em quase todos os pacientes durante o curso da doença. 14 Setenta e três por cento dos casos apresentam anemia ao diagnóstico. 1 A inibição da eritropoiese ocasionada pela liberação de citocinas, como a interleucina 6 (IL-6), no microambiente medular e seu papel sobre a regulação da hepcidina são uma das explicações que justificam a anemia no MM.3
- Lesões osteolíticas: A ação de fatores de ativação dos osteoclastos e consequente liberação de citocinas (TNF alfa e beta, IL-1 beta, IL-6) envolvidas na produção e ativação dessas células, que têm como função a reabsorção óssea, é uma das razões para o aparecimento das lesões osteolíticas. Também é observado um mecanismo distinto a inibição dos osteoblastos, que prejudica o remodelamento fisiológico do tecido ósseo.3
- Hipercalcemia: Presente em 15 a 30% dos pacientes ao diagnóstico. Causa sintomas como fadiga, náuseas, polidpsia, alterações do nível de consciência, pancreatite, constipação, poliúria, alterações em eletrocardiograma como encurtamento do intervalo QT, e uma possível evolução para insuficiência renal aguda (IRA). 3
- Insuficiência renal: Em uma parcela de pacientes, principalmente aqueles portadores de mieloma de cadeias leves, a insuficiência renal ocorre devido a mecanismos diversos, um exemplo é a lesão tubular direta, acarretando depósitos de proteínas como amiloide. 3 As infecções, a desidratação, e uso contínuo de antiinflamatório não esteroidais podem contribuir para a IRA. 14 Aproximadamente 20% dos pacientes possuem creatinina sérica maior que 2 mg / dL, no momento do diagnóstico. 3
- Hiperviscosidade: Embora rara, ocorre em menos de 10% dos pacientes com MM, quando são detectadas altas concentrações de imunoglobulinas. Apresenta-se comumente através de sangramento oral ou nasal, embaçamento visual, dor de cabeça, parestesias ou insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Apresenta uma tendência à hemorragia, que pode ser agravada pela plaquetopenia e pela aderência das paraproteínas aos fatores de coagulação e às plaquetas. 3
- Infecções bacterianas recorrentes: As infecções bacterianas, principalmente por germes encapsulados como pneumococo, são frequentes no portador de MM, devido alterações imunológicas resultante da disfunção dos linfócitos T, hipogamaglobulinemia, e hiperativação dos macrófagos. 3 Assim, é recomendado, como profilaxia, o uso de vacinas, para pneumococo e influenza, bem como o uso de antibioticoprofilaxia, que pode ser benéfica em alguns pacientes com infecções pneumocócicas recorrentes, mas que deve sempre ser avaliada individualmente.14
- Compressão da medula espinhal: É uma complicação grave, que deve ser lembrada em quadros compostos por dores nas costas, que evoluem com paresia ou parestesias dos membros inferiores, ou alterações dos ritmos excretores. 6
Avaliação de doença óssea pelo mieloma múltiplo requer corte transversal de imagem. A tomografia computadorizada (TC) de corpo inteiro em baixa dosagem é um dos exames recomendados, pois é rápido e mais sensível do que a radiografia simples, embora não seja facilmente acessível em nosso meio. As diretrizes de imagem recomendam imagens funcionais técnicas, como PET combinado com TC (PET-TC) com ¹ F-fluorodeoxiglicose (FDG). RM de coluna pode ser necessário para avaliação da compressão da medula espinhal.15
A coleta da medula óssea (MO) é necessária para avaliar a quantidade de infiltração, seja pela histopatologia na biópsia de MO, morfologia ou citometria de fluxo no aspirado da MO. Análise citogenética por fluorescência em hibridização in situ em células purificadas de mieloma múltiplo deve incluir testes para, pelo menos, as alterações de alto risco t (4; 14), t (14; 16) e del (17p) .16
4 - Diagnóstico
Os critérios diagnósticos de MGUS, MM indolente, mieloma múltiplo, plasmocitoma ósseo solitário e plasmocitoma extramedular foram revistos pelo “International Myeloma Working Group” e estão descritos nas Tabelas 2 a 5.17
Tabela 2: Critérios diagnósticos para Gamopatia Monoclonal de Significado Indeterminado (MGUS)
1.MGUS não IgM
Proteína monoclonal não IgM < 3g/dL.
Plasmócitos clonais na medula óssea < 10%.
Ausência de lesão de órgão alvo ou amiloidose que possa estar relacionada à proliferação de plasmócitos.
2.
MGUS IgM
Proteína monoclonal IgM < 3g/dL.
Infiltração na medula óssea < 10%.
Não evidência de anemia, sintomas constitucionais, hiperviscosidade, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, ou qualquer dano orgânico que possa ser atribuído à doença linfoproliferativa.
3.
MGUS de cadeia leve
Razão de cadeias leves livres alteradas (<0,26 ou > 1,65).
Aumento da cadeia leve envolvida.
Ausência de dano orgânico ou amiloidose que possa ser atribuída a distúrbio clonal.
Proteína monoclonal urinária < 500mg/24h.
Cortesia Professor Angelo Maiolino
Tabela 3: Critérios Diagnósticos para Mieloma Múltiplo Indolente
Ambos os critérios são necessários:
1.
Proteína monoclonal sérica (IgG ou IgA) > 3g/dL ou urinária > 500mg por 24h e ou plasmócitos clonais na medula óssea de 10 a 60%.
2.
Ausência dos eventos definidores de mieloma múltiplo ou amiloidose.
Cortesia Professor Angelo Maiolino
Tabela 4: Critérios Diagnósticos para Mieloma Múltiplo
Plasmócitos clonais na medula óssea > 10% ou identificação de plasmocitoma* por biópsia óssea ou tecido extramedular e um ou mais dos seguintes eventos definidores:
Evidência de dano orgânico relacionado à proliferação dos plasmócitos, especificamente:
[C] Cálcio sérico 0,25 mmol/L >Normal ou >11,0 mg/dL
[R] Insuficiência Renal: depuração da creatinina < 40mL por minuto ou creatinina sérica ≥ 2mg/dL
[A] Anemia: hemoglobina 2 g
[B] Lesões ósseas: > 1 lesão osteolítica no Rx esqueleto, TC esqueleto ou PET-CT**
Um ou mais biomarcadores de malignidade
Razão (cadeia leve livre) alterada /normal > 100#
Ressonância nuclear magnética > 1 lesão focal&
Mielograma com > 60% de plasmócitos clonais*
Cortesia Professor Angelo Maiolino
*Clonalidade deve ser estabelecida pela demonstração da restrição da cadeia leve Kappa ou Lambda na citometria de fluxo, imunohistoquímica ou imunofluorescência. A porcentagem de plasmócitos na medula óssea deve ser preferencialmente estimada por biópsia de medula óssea; nos casos de disparidade entre o aspirado e a biópsia, o valor maior deve ser usado.** Se a medula óssea tiver < 10% de plasmócitos clonais, mais do que uma lesão óssea é necessária para distinguir de plasmocitoma solitário com envolvimento medular mínimo. # Os valores são baseados na técnica de Freelite (Grupo Binding Site). A cadeia leve livre envolvida deve ser > 100. & Cada lesão focal deve possuir > 5mm.
Tabela 5: Critérios Diagnósticos para plasmocitoma solitário e solitário com envolvimento medular mínimo.
Plasmocitoma solitário
Biópsia demonstrando lesão solitária óssea ou partes moles com evidência de plasmócitos clonais.
Medula óssea normal sem evidência de clone plasmocitário.
Avaliação de esqueleto com RNM ou TC de corpo inteiro ou PET-TC normais (exceto para a lesão solitária primária).
Ausência de dano orgânico relacionado à proliferação plasmocitária.
Plasmocitoma solitário com envolvimento medular mínimo.
Biópsia demonstrando lesão solitária óssea ou em partes moles com evidência de plasmócitos clonais.
Plasmócitos clonais na medula < 10%.
Avaliação esqueleto com RNM ou TC de corpo inteiro ou PET-TC normais (exceto para a lesão solitária primária).
Ausência de dano orgânico relacionado à proliferação plasmocitária.
Cortesia Professor Angelo Maiolino
5 – Estadiamento e avaliação de risco
O estadiamento Durie e Salmon (Tabela 6) relaciona-se com a massa tumoral e utiliza parâmetros biológicos como cálcio sérico, taxas de hemoglobina, concentração do componente monoclonal na urina e no sangue e o comprometimento ósseo para classificar os pacientes em 3 estádios, além de subdividir de acordo com a função renal. 7
Estadiamento
Critérios
I
Hemoglobina > 10mg/dL e
Cálcio sérico normal ou até 12mg/dL e
Ausência de lesão óssea e
IgG < 5g/dL, IgA < 3g/dL e
Proteína de Bence-Jones < 4g/24h
II
Não corresponde ao estádio I ou III
III
Hemoglobina < 8,5mg/dL ou
Cálcio sérico > 12mg/dL ou
Lesões ósseas avançadas ou fratura ou
IgG > 7g/dL, IgA > 5g/dL ou
Proteína de Bence-Jones > 12g/24h
Critérios de Subclassificação
A – Creatinina sérica < 2mg/dL
B – Creatinina sérica ≥ 2mg/dL
Tabela 6: Estadiamento Durie e Salmon. Fonte: Baesso T7
O sistema internacional de estadiamento (ISS) do mieloma múltiplo, proposto pelo International Myeloma Working Group (IMWG), é baseado nas dosagens de beta 2-microglobulina, sérica e albumina sérica (Tabela 7). A combinação de albumina com beta 2-microglobulina é reprodutível para estratificação de risco. A beta 2-microglobulina é estreitamente relacionada com a função renal e considerada um fiel marcador da extensão do mieloma múltiplo, pois em níveis elevados traduz uma massa tumoral e/ou dano renal. 18
Estadiamento
Critérios
Sobrevida Média (Meses)
I
Β2M < 3,5mg/l
Albumina ≥ 3,5mg/l
62
II
Intermediário entre I e II
44
III
Β2M ≥ 5,5mg/l
29
Tabela 7: Sistema Internacional de Estadiamento (ISS). Fonte: Baesso T7
Expressão gênica e painéis de mutação podem auxiliar no prognóstico, mas não são disponíveis rotineiramente na maioria dos centros. Resultados clínicos para pacientes com MM dependem de vários fatores, incluindo características intrínsecas das células tumorais (anormalidades citogenéticas, perfil de expressão gênica, crescimento extramedular, níveis de lactato desidrogenase), carga tumoral (β2-microglobulina [B2M], baixa contagem de plaquetas), e características do paciente (idade, comorbidades, fragilidade) e resposta a terapia. 16,19,20
Modelos combinando as características do paciente e da doença têm sido desenvolvidos. A associação do ISS original com alterações cariotípicas (CA) de alto risco; t (4; 14), t (14; 16) ou del (17p), sozinhas ou em combinação, além da concentração de lactato desidrogenase (LDH), geraram o ISS revisado (R-ISS). 21
Esse divide os pacientes em três grupos a seguir: ISS estágio I (nível sérico de β2-microglobulina <3,5 mg / L e nível de albumina sérica ≥ 3,5 g / dL), sem CA de alto risco e nível de LDH normal (menor que o limite superior da faixa normal); R-ISS III, incluindo ISS estágio III (nível sérico de β2-microglobulina> 5,5 mg / L) e CA de alto risco ou nível alto de LDH; e R-ISS II, incluindo todas as outras combinações possíveis. Em um acompanhamento médio de 46 meses, a taxa de sobrevida global (SG) em 5 anos foi de 82% no R-ISS I, 62% no R-ISS II e 40% nos grupos R-ISS III, e sobrevida livre de progressão (SLP) em 5 anos de 55%, 36% e 24%, respectivamente. (Tabela 8) 21
Estadiamento
Critérios
SG Média (Meses)
I
lSS I +LDH normal + sem CA de alto risco
82%
II
R-ISS entre I e II
62%
III
lSS III + LDH alto e/ou CA de alto risco
40%
Tabela 8: ISS revisado. Fonte: O autor. Adaptado de Palumbo et al21
Análise dos dados do ensaio MRC Myeloma IX, totalizando 1905 pacientes recém-diagnosticados com MM, confirmou a associação de t (4; 14), t (14; 16), t (14; 20), del (17p) e ganho (1q21) com impacto na SG. Pacientes com 'double-hit' definido pela coexistência de, pelo menos, duas lesões adversas têm um prognóstico especialmente ruim, mesmo que tratados intensivamente. 22
5 – Tratamento
Evidências apoiam o uso da terapia de indução, seguida por transplante autólogo de células tronco hematopoiéticas (TACTH) para alcançar uma resposta profunda, portanto, este é o padrão de tratamento na maioria dos países em pacientes que estão em boas condições clínicas e, geralmente, com idade inferior a 75 anos (Figura 1). 23,24,25
5.1 - Tratamento inicial dos pacientes elegíveis ao TACTH
Antes do TACTH, os pacientes recebem de 3 a 6 ciclos de indução, usando um regime com múltiplas drogas. Obter melhores taxas de respostas, tanto após a indução como após o TACTH, é considerado como um dos principais fatores preditores de sobrevida no MM 26,27. Este resultado passou a representar um dos principais objetivos nas estratégias de tratamento do MM, justificando a incorporação, desde meados dos anos 90, do uso de quimioterapia em altas doses como tratamento padrão para pacientes mais jovens. 28
O padrão atual de tratamento é um regime de bortezomibe, combinado com dexametasona e uma droga imunomoduladora (talidomida ou lenalidomida) ou bortezomibe com ciclofosfamida e dexametasona. A quarta classe de drogas, que está se tornando um componente-chave das terapias de primeira linha, são anticorpos (ac) direcionados ao antígeno CD38. A vantagem de adicionar ac-anti-CD38, denominado daratumumabe ao bortezomibe, talidomida e dexametasona, foi relatada em um ensaio clínico, com maiores taxas de resposta completa (39% com adição de daratumumabe versus 26%) e melhora da sobrevida livre de progressão. 29
Embora alguns estudos questionem o uso do TACTH em primeira linha, todos mostram maior profundidade de resposta e SLP com a terapia em altas doses em primeira linha, sendo assim. ainda não há evidências para não indicarmos o TACTH em primeira linha.23,24
5.2 - Terapias pós TACTH
5.2.1 - Manutenção
O uso prolongado de uma medicação com objetivo principal de reduzir o risco de progressão ou recaída e prolongar a SG define a terapia de manutenção. As principais medicações utilizadas nessa fase são a talidomida, lenalidomida, bortezomibe e ixazomibe.30
5.2.2 - Consolidação
A consolidação é, geralmente, aplicada em curto espaço de tempo e tem como objetivo melhorar a qualidade da resposta obtida nas fases anteriores de tratamento, principalmente para aqueles pacientes que não atingiram RC após o TACTH. Atualmente, a negativação da doença residual mínima é considerada o objetivo do tratamento, especialmente para pacientes jovens. Nesse contexto, a consolidação é realizada em torno de 3 meses após o TACTH, utilizando o mesmo esquema da indução24.
O estudo europeu EMN02 / HO95 evidenciou o benefício da consolidação com um segundo TACTH, principalmente em pacientes com citogenética de alto risco (del (17p) e / ou t (4; 14) e / ou t (14; 16); HR = 1,03; P = 0,91). 31
5.3 - Tratamento do paciente sem indicação para TACTH
Pacientes que não são elegíveis ao TACTH, não experimentaram as mesmas melhorias nos resultados que os pacientes mais jovens durante os últimos 10-15 anos, em grande parte devido à menor tolerância de regimes de múltiplas drogas.32
Diferentemente dos pacientes jovens, no idoso, a despeito da idade biológica, a escolha da terapêutica deve levar fortemente em consideração as comorbidades (diabetes, insuficiência renal e doenças cardiovasculares), adaptando as doses e otimizando a terapia de suporte. A partir desses princípios, a terapêutica no idoso passará por preferências pessoais que podem variar entre esquemas baseados em bortezomibe ou um imunomodulador com ou sem o alquilante de acordo com a preferência e experiência local.
O uso contínuo de lenalidomida com dexametasona em baixa dose (Rd) emergiu como um dos tratamentos padrão para os pacientes não elegíveis para TACTH, devido à eficácia e segurança do regime Rd contínuo para essa população. 33 Diante desses achados, a associação de Rd com outras medicações como os inibidores de proteassoma (IP) foi avaliada. 33
A vantagem de adicionar um anticorpo para o antígeno CD38 levou ao regime quádruplo daratumumabe, bortezomibe, melfalano e prednisolona34, que acabou sendo licenciado no Brasil antes que em outros países.
5.4 - Tratamento na recidiva
A recidiva do mieloma múltiplo pode ser clínica ou paraproteíca, sendo que ambas são consideradas para o reinício de tratamento pelo painel da IMWG. 35 O tratamento deve ser iniciado se houver sintomas relacionados ao mieloma múltiplo (CRAB) ou se há um rápido aumento da proteína M (ou seja, dobrando em 2 meses).
Ao longo dos últimos anos, várias novas medicações como a pomalidomida, um agente imunomodulador de terceira geração (IMD), inibidores de proteassoma (IP) de segunda geração, como carfilzomibe e ixazomibe, anticorpos monoclonais (AcM), como o elotuzumabe e daratumumabe, panobinostat, um inibidor de histona desacetilase (IHDA), Selinexor (inibidor seletivo da exportina 1), belantamabe mafodotin (um anticorpo conjugado contra o receptor BCMA) foram incorporadas na terapêutica do mieloma múltiplo25. Podendo ser combinados em esquemas duplo ou triplo entre si ou com agentes citotóxicos tradicionais, como ciclofosfamida, antraciclinas ou bendamustina. A escolha da estratégia terapêutica na recidiva vai depender das exposições e respostas aos tratamentos anteriores, bem como da disponibilidade de drogas do sistema de saúde em questão.
Outra decisão importante a ser considerada é na indicação ou não do TACTH na recidiva, e será baseada em diferentes critérios (Figura 2). A indicação de TACTH na recidiva é referendada por um único estudo randomizado que incluiu, inicialmente, pacientes que apresentaram recidiva, no mínimo, 18 meses após o primeiro TACTH 36,37
O transplante alogênico de células-tronco (TCTH alo) pode ser considerado em pacientes de alto risco com recidiva precoce após TACTH, idealmente no contexto de ensaio clínico.25
5.5 – Tratamento da doença óssea
A doença óssea no mieloma múltiplo merece uma atenção especial devido a sua frequência e impacto sobre a qualidade de vida do paciente. Basicamente, temos 2 classes de drogas, os bifosfonastos e o denusomabe.
Os bifosfonatos (ácido zoledrônico e pamidronato) são uma das principais terapêuticas no seu tratamento, não devendo ser utilizada em pacientes com insuficiência renal (clearence menor que 30 ml/min). O denusomabe tem como vantagem a possibilidade de poder ser utilizado em pacientes com insuficiência renal. A osteonecrose de mandíbula está entre um dos principais efeitos colaterais dessas medicações, que devem ser utilizadas mensalmente por um período de 2 anos, e retomada em caso de recidiva.38,39
O tratamento de radioterapia tem indicação no controle de dor localizada, em caso de fraturas em grandes lesões osteolíticas e compressão da coluna vertebral, sendo a principal forma de tratamento dos plasmocitomas solitários. Situações essas que também podem requerer uma intervenção ortopédica/neurocirúrgica. 38
Figura 2: Sugestão de fluxograma de tratamento para pacientes com MM recidivado.
6 – Considerações finais:
Deste modo, a heterogeneidade da patogênese do MM e de suas alterações genético/moleculares, torna essa doença extremamente variável em sua apresentação clínica, com sobrevida variável. Embora nenhum tratamento para o mieloma seja verdadeiramente curativo, o objetivo da terapia de primeira linha é induzir uma resposta profunda, porque a profundidade da resposta se correlaciona com mais tempo para recaída e sobrevida global.
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