Doenças Respiratórias do Recém-Nascido
- claurepires
- 19 de mar.
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Atualizado: 2 de abr.

Introdução
As doenças respiratórias são uma das principais causas de morbidade e mortalidade no período neonatal, especialmente em recém-nascidos prematuros. A transição da vida intrauterina para a extrauterina exige mudanças significativas no sistema respiratório, que pode não estar completamente desenvolvido ou funcional. O comprometimento na adaptação pulmonar está frequentemente relacionado a condições como deficiência de surfactante, retenção de líquido pulmonar, asfixia perinatal e aspiração de mecônio.
Este capítulo aborda detalhadamente as principais doenças respiratórias neonatais, considerando aspectos como fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e prevenção. Além disso, destacam-se as atualizações mais recentes nas diretrizes nacionais e internacionais para o manejo dessas condições.
Desenvolvimento Pulmonar e Produção de Surfactante
O desenvolvimento pulmonar ocorre em cinco fases principais, que contribuem para a maturação estrutural e funcional dos pulmões:
1. Fase Canalicular (17ª a 26ª semana gestacional):
Nesta fase, os pneumócitos tipo II começam a produzir surfactante pulmonar, uma substância lipoproteica essencial para a estabilidade alveolar. A produção inicial é insuficiente para a sobrevivência extrauterina.
2. Fase Sacular (24ª a 37ª semana gestacional):
Há um aumento significativo na produção de surfactante, juntamente com o desenvolvimento de fibras elásticas no parênquima pulmonar. Essa maturação estrutural é crucial para a efetividade das trocas gasosas e a sobrevivência fora do útero.
3. Fase Alveolar (37ª semana gestacional até 18 meses pós-nascimento):
Caracteriza-se pela formação e expansão dos alvéolos funcionais, aumentando a área de troca gasosa. Durante esse período, a maturação pulmonar continua, sendo essencial para a adaptação à vida extrauterina.
O surfactante pulmonar, produzido pelos pneumócitos tipo II, tem como principal componente a dipalmitoilfosfatidilcolina (DPPC). Sua função é reduzir a tensão superficial na interface ar-líquido dos alvéolos, prevenindo o colapso alveolar durante a expiração e facilitando a inspiração.
Transição da Circulação Fetal para Neonatal
A circulação fetal é caracterizada por shunts que desviam o sangue dos pulmões imaturos:
- Ducto Venoso: Desvia o sangue da veia umbilical diretamente para a veia cava inferior.
- Forame Oval: Comunicação entre os átrios direito e esquerdo.
- Ducto Arterioso: Liga a artéria pulmonar à aorta descendente.
Após o nascimento, a primeira respiração e o aumento da pressão parcial de oxigênio nos alvéolos desencadeiam uma série de adaptações circulatórias. O fechamento funcional dos shunts fetais, associado à vasodilatação dos vasos pulmonares, redireciona o fluxo sanguíneo para os pulmões, estabelecendo a circulação neonatal.
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Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR)
A SDR é a principal causa de insuficiência respiratória em recém-nascidos prematuros, sendo atribuída à deficiência na produção de surfactante. A prevalência e a gravidade da SDR estão inversamente relacionadas à idade gestacional.
Fisiopatologia
A falta de surfactante aumenta a tensão superficial nos alvéolos, resultando em colapso alveolar (atelectasia) e redução da complacência pulmonar. Essas alterações levam à hipoxemia, acidose metabólica e hipercapnia. Além disso, formam-se membranas hialinas, compostas por proteínas plasmáticas e restos celulares, que revestem os alvéolos, agravando o comprometimento da troca gasosa.
Manifestações Clínicas
Os sinais clínicos surgem nas primeiras horas de vida e incluem:
- Taquipneia.
- Gemido expiratório.
- Retrações intercostais e subcostais.
- Batimento de asas nasais.
- Cianose progressiva.
Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se em achados clínicos e radiológicos. A radiografia de tórax revela infiltrado reticulogranular difuso e broncogramas aéreos, características típicas da SDR.
Tratamento
- Suporte respiratório: CPAP nasal ou ventilação mecânica em casos graves.
- Surfactante exógeno: Administração precoce por via traqueal.
- Medidas preventivas: Corticosteroides antenatais em gestantes com risco de parto prematuro.
Taquipneia Transitória do Recém-Nascido (TTRN)
A TTRN, ou "pulmão úmido", é uma condição autolimitada associada à retenção de líquido pulmonar fetal, frequentemente observada em partos cesáreos eletivos.
Fisiopatologia
A ausência de compressão torácica durante o parto e a insuficiente liberação de catecolaminas retardam a reabsorção do líquido pulmonar, resultando em congestão alveolar e aumento da resistência das vias aéreas.
Manifestações Clínicas
A TTRN caracteriza-se por:
- Taquipneia (> 60 incursões/min).
- Retrações intercostais leves.
- Batimento de asas nasais.
- Ausência de cianose significativa.
Diagnóstico
A radiografia de tórax revela hiperinsuflação pulmonar, aumento da trama vascular peri-hilar e líquido nas cisuras interlobares.
Tratamento
O manejo é de suporte, com oxigenoterapia suplementar conforme necessário. A condição geralmente se resolve em 48 a 72 horas.
Síndrome de Aspiração Meconial (SAM)
A SAM ocorre em recém-nascidos que aspiram líquido amniótico contendo mecônio, geralmente em gestações a termo ou pós-termo.
Fisiopatologia
O mecônio aspirado obstrui parcialmente as vias aéreas, causando áreas de hiperinsuflação e atelectasia. Além disso, o mecônio inativa o surfactante, agravando a insuficiência respiratória.
Manifestações Clínicas
Os sinais incluem:
- Taquipneia severa.
- Cianose.
- Estertores pulmonares.
- Sinais de hipertensão pulmonar.
Diagnóstico
A radiografia de tórax mostra infiltrados heterogêneos, áreas de hiperinsuflação e, em casos graves, pneumotórax ou pneumomediastino.
Tratamento
- Suporte respiratório: Ventilação mecânica.
- Surfactante exógeno: Reduz o impacto da inativação do surfactante endógeno.
- Óxido nítrico inalatório: Indicado em casos de hipertensão pulmonar.
Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-Nascido (HPPRN)
A HPPRN é uma condição grave caracterizada por resistência vascular pulmonar elevada e persistência dos shunts fetais.
Fisiopatologia
A vasoconstrição pulmonar, exacerbada por hipoxemia e acidose, mantém um desvio direita-esquerda de sangue pelos shunts fetais, resultando em hipoxemia refratária.
Manifestações Clínicas
- Cianose grave.
- Diferença de saturação de O2 entre membros superiores e inferiores (> 10%).
- Sinais de insuficiência cardíaca direita.
Diagnóstico
O ecocardiograma é o padrão-ouro, demonstrando hipertensão arterial pulmonar e desvio de sangue através dos shunts fetais.
Tratamento
- Óxido nítrico inalatório: Vasodilatação pulmonar seletiva.
- Suporte ventilatório: Em casos graves, pode ser necessário ECMO.
Prevenção das Doenças Respiratórias Neonatais
1. Corticosteroides antenatais: Reduzem a incidência e gravidade da SDR.
2. Acompanhamento pré-natal adequado: Identificação de fatores de risco.
3. Evitar cesáreas eletivas antes de 39 semanas.
Pontos Importantes
1. A SDR é causada por deficiência de surfactante e ocorre predominantemente em prematuros.
2. A TTRN é autolimitada e está relacionada à retenção de líquido pulmonar.
3. A SAM resulta da aspiração de mecônio e pode levar à hipertensão pulmonar.
4. A HPPRN é uma condição grave com hipoxemia refratária e requer manejo intensivo.
Referências
1. Ministério da Saúde. Atenção à Saúde do Recém-Nascido: Guia para os Profissionais de Saúde. 3ª edição. Brasília: Ministério da Saúde, 2022.
2. American Academy of Pediatrics (AAP). Neonatal Respiratory Disorders: Guidelines for Diagnosis and Management. 2022.
3. UpToDate. Respiratory distress in the newborn: Clinical features and diagnosis. Atualizado em 2023.
4. European Respiratory Society (ERS). Respiratory conditions in neonates: Consensus statements. 2021.
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