
1 - Qual a definição de nefrolitíase?
Presença de cálculos no trato urinário, poupando o parênquima renal.
2 - A nefrolitíase é uma doença comum?
A nefrolitíase é uma das doenças mais comuns e não poupa regiões geográficas, raças ou grupos culturais. Apesar de sua ubiquidade, fatores como idade, sexo, raça e localização geográfica interferem diretamente na ocorrência da doença.
3 - Qual a prevalência de nefrolitíase?
A prevalência dos cálculos renais ao longo da vida é de aproximadamente 10% a 15%.
4 - Há predomínio entre os sexos?
A doença calculosa acomete tipicamente homens adultos. A incidência em homens é 2 a 3 vezes maior que em mulheres. A partir da 6ª década de vida, há uma queda na incidência de nefrolitíase entre os homens e, paralelamente, ocorre um aumento entre as mulheres, com tendência à equivalência entre gêneros a partir desta faixa etária. Além disso, foi observado que a proporção de casos de nefrolitíase entre os sexos masculino/feminino tem diminuído ao longo do tempo.
5 - Porque os casos de litíase têm aumentado no sexo feminino?
Especula-se que o aparente aumento na prevalência de nefrolitíase entre as mulheres deva-se às mudanças no estilo de vida, com maior sedentarismo e aumento da prevalência de obesidade e síndrome metabólica.
6 - Como os cálculos renais podem ser classificados com base em sua localização?
A via excretora renal é formada, na maioria dos casos, por três grupos de cálices (superior, médio e inferior) que através de seus infundíbulos convergem em direção à pelve renal, onde ocorre a emergência do ureter em uma região conhecida como junção uretero-piélica. (JUP).
Os cálculos que estão localizados somente nos cálices são denominados caliciais; quando estão somente na pelve renal, piélicos. Em alguns casos, o cálculo pode ocupar um ou mais cálices, o infundíbulo e a pelve renal sendo chamados de coraliformes incompletos. Quando ocupam todos os cálices e a pelve são denominados de cálculos coraliformes completos (devido à semelhança de sua forma com os corais marinhos). Portanto, a denominação de cálculo coraliforme se deve ao seu formato e não à sua composição.
7 - Qual a localização mais comum dos cálculos no trato urinário?
Os cálculos urinários podem ocorrer praticamente em qualquer parte do trato urinário. De maneira geral, 97% dos cálculos localizam-se no parênquima renal, nas papilas, nos cálices, na pelve renal ou no ureter. Apenas 3% dos cálculos urinários localizam-se na bexiga e na uretra.

8 - Quais os fatores de risco para litíase?
Quanto à etnia, ela é mais frequente em brancos, seguido pelos hispânicos, asiáticos e negros. Quanto à distribuição geográfica, a litíase renal é mais comum em regiões quentes, áridas ou de clima seco como montanhas, desertos e áreas tropicais.
A incidência da litíase está relacionada ainda a fatores de risco ocupacionais. Trabalhadores que ficam expostos a altas temperaturas e a situações que levam à desidratação (ex. cozinheiros, siderúrgicos) apresentam uma menor quantidade de citrato (que tem efeito protetor na formação de cálculos) e um menor volume urinário. Com isso, a urina se torna mais concentrada, o que leva a uma maior prevalência nesse grupo.
Pessoas com baixa ingestão hídrica, com alto índice de massa corpórea ou história familiar também apresentam maior incidência litiásica.
9 - Qual a idade com maior incidência de litíase renal?
Os cálculos são pouco frequentes em indivíduos com menos de 20 anos e apresentam um pico de incidência entre a quarta e a sexta décadas de vida. As mulheres apresentam um segundo pico, ao redor da sexta década, atribuído à menopausa, devido à queda dos níveis de estrogênios. O estrógeno tem um efeito protetor na formação de cálculos por reduzir a reabsorção óssea e aumentar a absorção renal de cálcio. Pacientes em terapia de reposição hormonal na menopausa têm uma concentração de cálcio urinário menor que as não tratadas.
10 - O que nefrocalcinose?
É a calcificação do parênquima renal.
11 - Pode ocorrer nefrolitíase com nefrocalcinose? Quando?
Em algumas situações, litíase e nefrocalcinose podem coexistir, o que ocorre mais comumente na hiperoxalose primária, no hiperparatireoidismo primário e na acidose tubular renal (ATR) distal.
12 - Qual a taxa de recorrência da nefrolitíase?
Em países industrializados, até 12% dos homens e 7% das mulheres apresentarão litíase do trato urinário ao longo da vida, com taxas de recorrência de até 50%.
13 - Qual o padrão de recorrência?
Quanto ao padrão da recorrência das crises de cólica ureteral, o intervalo é variável, com aproximadamente 10% ocorrendo dentro de 1 ano, 35% em 5 anos e 50% em 10 anos; em outras palavras, uma vez recorrente, o risco subsequente de recidiva é maior e o intervalo entre as crises tende a ser menor.
14 - Quais os fatores de risco para recorrência?
idade precoce no diagnóstico de nefrolitíase;
história familiar de nefrolitíase;
nefrolitíase associada com infecção do trato urinário;
nefrolitíase secundária, como nos casos de hiperparatireoidismo, cistinúria etc.
Diferentes etnias também apresentam riscos distintos de desenvolver nefrolitíase. Mulheres afro-americanas, quando comparadas a mulheres caucasianas, têm risco menor, fato possivelmente relacionado à menor excreção de cálcio urinário neste grupo e à menor prevalência de osteoporose.
15 - Qual a característica do cálculo nos portadores de nefrolitíase e qual sua composição?
Diferentes substâncias orgânicas e inorgânicas com estrutura cristalina ou amorfa são os principais constituintes dos cálculos. Apenas cerca de 1/3 dos cálculos têm composição monomineral.
A composição dos cálculos também é variada. O oxalato de cálcio é o constituinte mais comum, sendo considerado o principal mineral do cálculo em pelo menos 65% dos casos.
16 - Quais os principais compostos dos cálculos?

17 - Qual a prevalência de cada composto?

18 - Qual a apresentação clínica da Nefrolitíase?
A cólica ureteral é a apresentação mais característica da nefrolitíase e tem como sintomas dor e hematúria.

19 - Qual a característica da dor nos quadros de cólica ureteral?
Caracteriza-se pelo início abrupto, com períodos de intensificação, localiza-se em geral no flanco e só melhora após a expulsão do cálculo. Tipicamente, o paciente encontra-se inquieto, sem encontrar posição que alivie a dor. A dor pode migrar da região anterior do abdome para a região inferior, com irradiação para virilha, testículo ou grandes lábios, especialmente quando o cálculo passa pela junção ureterovesical. Pode ser acompanhada de hematúria, náusea e vômito. No exame físico observa-se sensibilidade à percussão da loja renal: punho-percussão dolorosa ou sinal de Giordano.
Nem todos os cálculos eliminados resultarão em cólica ureteral e nem toda cólica ureteral tem o cálculo como causa.
20 - Quais outras possíveis causas para cólica ureteral?
Necrose papilar aguda ou sangramento no trato ureteral com eliminação de coágulos também pode resultar em cólica ureteral.
21 - Quando pode ocorrer eliminação espontânea dos cálculos?
A eliminação espontânea dos cálculos ocorre principalmente naqueles com 5 mm ou menos. Cálculos maiores frequentemente necessitarão de intervenção urológica.
22 - Qual o tratamento para cólica ureteral?
Os anti-inflamatórios não-esteroidais (AINE) são a primeira opção no alívio da dor nos pacientes sem doença renal crônica. Antiespasmódicos, como a escopolamina, também podem ser associados. Nos casos mais graves e/ou naqueles em que o uso de AINE poderia resultar em piora da função renal, opióides podem ser utilizados. Nos casos refratários, a intervenção cirúrgica pode ser necessária. Além das medidas farmacológicas, cuidados como hidratação e repouso também devem ser orientados.
23 - Há medicações que possam ser feitas no auxílio da eliminação do cálculo? Quais?
Sim. Alfa-bloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio podem ser prescritos para promover relaxamento ureteral e facilitar a eliminação do cálculo:
24 - Qual a característica da hematúria nos casos de litíase?
A nefrolitíase é causa comum de hematúria, tanto micro como macroscópica. Hematúria macroscópica ocorre mais frequentemente em cálculos grandes, sobretudo quando há infecção do trato urinário associada. Nem sempre o episódio de hematúria ocorre em paralelo com o de cólica ureteral – a hematúria pode ser assintomática e microscópica.
25 - Quais os diagnósticos diferenciais nos casos de hematúria?
infecção: cistite, pielonefrite, uretrite, prostatite, tuberculose e esquistossomose do trato urinário;
nefrolitíase
câncer: carcinoma de células renais, carcinoma de células transicionais, carcinoma prostático, tumor de Wilms;
traumatismo do trato urinário;
doença glomerular;
doença renal policística;
necrose papilar;
coagulopatia;
outras causas: malformação arteriovenosa, cistite química, hematúria factícia.
26 - Qual a relação entre nefrolitíase e infecção do trato urinário?
Ao favorecer obstrução e a estase no trato urinário, a nefrolitíase representa causa importante de infecção do trato urinário no adulto. Entretanto, nem sempre a infecção do trato urinário é consequência da nefrolitíase. No caso dos cálculos coraliformes, presentes em cerca de 10% dos pacientes com nefrolitíase, repetidas infecções favorecem o crescimento do cálculo, alguns tipos de bactéria (Proteus, Pseudomonas, Klebsiella, Staphylococcus) são produtoras de urease. Essa enzima é responsável pela degradação da ureia em amônia, o que leva a um aumento do pH urinário. O pH se tornando alcalino favorece a precipitação de cristais de fósforo, amônia e magnésio e a formação do cálculo chamado estruvita ou fosfato amoníaco magnesiano. Neste caso, a infecção do trato urinário apresenta-se como causa (e não como consequência) de nefrolitíase
27 - Em que grupos o cálculo de estruvita é mais frequente?
Como a formação do cálculo está relacionada à infecção do trato urinário, populações suscetíveis a ela vão ter maior incidência.
Nas mulheres, o risco de ter ao menos um episódio de infecção urinária ao longo da vida é ao redor de 50%. Isso faz com que a incidência de cálculos de estruvita seja duas vezes maior do que em homens. Outras populações de risco são:
idosos
prematuros
malformações do trato gênito-urinário
diabéticos
situações que levam à estase urinária:
obstrução
derivação urinária
desordens neurológicas

28 - Quando um cálculo pode gerar Injúria Renal aguda?
Em determinadas situações como rim único, doença renal crônica prévia, concomitância de outros fatores agravantes, como pielonefrite aguda e síndrome séptica, são fatores de risco para desenvolvimento de insuficiência renal aguda nas obstruções unilaterais.
29 - Qual a propedêutica e quais as causas de anúria no contexto de nefrolitíase?
Na vigência de anúria, a etiologia obstrutiva deve sempre ser descartada por exame de imagem e pode se associar a obstruções baixas, bilaterais (incomuns) ou mesmo a obstruções unilaterais, quando o rim não obstruído já apresenta doença parenquimatosa. Outra causa de anúria em obstrução ureteral unilateral denomina-se “anúria reflexa”, cuja fisiopatologia relaciona-se ao espasmo reflexo do ureter contralateral durante a passagem traumática do cálculo no lado afetado. Caso o fator obstrutivo permaneça, haverá dano tubular e necrose tubular aguda.
30 - Paciente com nefrolitíase pode evoluir para doença renal crônica (DRC)?
Sim. Quando a obstrução não é corrigida e a hipdronefrose é mantida, pode ocorrer atrofia do parênquima renal e o desenvolvimento de DRC. Dentre os tipos de cálculo, o de estruvita destaca-se como causa frequente de DRC. Doenças mais raras, como o hiperparatireoidismo primário, a cistinúria e a hiperoxalúria primária, também podem evoluir com DRC e necessidade de terapia renal substitutiva.
31 - Qual a abordagem diagnóstica frente a uma suspeita de nefrolitíase?
Suspeita Clínica: Cólica nefrética + Hematúria + Ausência de sinais de defesa abdominal.
Propedêutica Complementar:
Hemograma + Eletrólitos + Função Renal + EAS;
Exame de Imagem: Radiografia de abdome / USG de abdome e vias urinárias / TC de abdome (padrão ouro).
32 - Qual a vantagem da TC de abdome?
A vantagem da TC é a possibilidade de detectar cálculos de ácido úrico ou xantina, radiotrasparentes e oferecer diagnósticos alternativos nos quadros de dor abdominal, pois permite a avaliação detalhada do rim, da via excretora e dos órgãos adjacentes. Apresenta alta sensibilidade e especificidade para todas as porções da via excretora.
33 - Quais são as doenças associadas à nefrolitíase?
- hiperparatireoidismo;
- acidose tubular renal (ATR) distal;
- cistinúria;
- hiperoxalúria primária;
- bypass jejunoileal;
- condições associadas com má absorção intestinal;
- sarcoidose;
- gota;
- doença de Cushing;
- doença de Crohn;
- hipertiroidismo.
34 - Quais são as medicações associadas à nefrolitíase?
- suplementos de cálcio;
- suplementos de vitamina D;
- acetazolamida;
- vitamina C ou ácido ascórbico (em megadoses, frequentemente superiores a 4 g/dia);
- sulfonamidas;
- triantereno;
- indinavir, atazanavir;
- laxativos;
- furosemida.
35 - Quais são as alterações anatômicas que podem propiciar nefrolitíase?
- ectasia tubular (rim espongiomedular);
- obstrução da junção ureteropélvica;
- divertículo calicinal, cisto calicinal;
- estenose ureteral;
- refluxo vesicoureteral;
- rim em ferradura;
- ureterocele.
36 - Qual a utilidade da avaliação metabólica para pacientes com litíase renal?
A formação dos cálculos é decorrente do depósito de moléculas de um ou mais solutos, que se agregam sobre fragmentos de células epiteliais descamadas. Diversos fatores bioquímicos e anatômicos interferem nesse processo, como já mencionado, e a avaliação metabólica é feita com o objetivo de se identificar determinados distúrbios metabólicos passíveis de serem corrigidos, diminuindo ou evitando a formação de outros cálculos.
37 - Quando deve ser feita a avaliação metabólica na litíase renal?
A avaliação metabólica está indicada para pacientes que além do cálculo apresentam:
cálculos recorrentes;
antecedente familiar de calculose renal;
doença intestinal (principalmente diarreia crônica);
indivíduo com fraturas patológicas;
osteoporose;
história de infecção urinária com cálculo;
gota;
rim único;
anormalidade anatômica;
insuficiência renal;
crianças.
38 - Como é feita a avaliação metabólica na litíase renal?
Recomendações para avaliação metabólica completa:
. na amostra isolada de urina, urina I, de preferência em jejum de 12 horas, e pesquisa qualitativa de cistina;
. na urina de 24 horas:
- quantificação do volume urinário;
- creatinina;
- cálcio;
- oxalato;
- citrato;
- ácido úrico;
- opcionais: sódio, fósforo, magnésio, potássio, ureia;
. na amostra de sangue:
- ureia;
- creatinina;
- gasometria venosa;
- cálcio;
- fósforo;
- ácido úrico.
39 - Como interpretar a avaliação metabólica?
A avaliação do pH urinário pode sugerir cálculos de estruvita, quando superior a 7,0, e cálculos de ácido úrico, quando inferior a 5,5.
A densidade urinária pode confirmar indiretamente a adesão do paciente quanto à ingestão hídrica necessária para diurese acima de 2 L/dia, principalmente se inferior a 1.010.
Leucocitúria sugere a presença de infecção do trato urinário, que deve ser descartada com a realização de urocultura.
O achado de cristalúria nem sempre indica a presença de cálculos. Entretanto, em pacientes que já apresentaram cálculos de oxalato de cálcio, a presença de cristais prediz recorrência. Além disso, existem situações em que a caracterização do cristal define a doença, como na cistinúria, com cristais hexagonais patognomônicos.
40 - A análise do cálculo deve ser feita?
Todo paciente com história de litíase deve ter ao menos um cálculo submetido à análise cristalográfica. A análise do cálculo não substitui a avaliação metabólica, quando indicada. A análise do cálculo, além de identificar as etiologias mais comuns de nefrolitíase, é muito útil no diagnóstico de cálculos causados por drogas (indinavir, sulfonamidas) e no diagnóstico dos raros cálculos de 2,8-di-hidronadenina e xantina.
41 - Como deve ser feito o seguimento do paciente com litíase?
Após a investigação inicial e o tratamento, o paciente deve ser acompanhado com exames de sangue, urina e imagem em um período não superior a um ano. A doença litiásica é recorrente e pacientes com um episódio têm recorrência de 50% em até 10 anos.