Traumatismos Urológicos: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento
- claurepires
- 19 de mar.
- 5 min de leitura

Introdução
Traumatismos urológicos são lesões que acometem os órgãos do trato urinário devido a causas externas, como acidentes automobilísticos, quedas, ferimentos por arma de fogo (PAF) e por arma branca (PAB). Este capítulo aborda a epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento das lesões mais comuns envolvendo os rins, ureteres, bexiga, uretra e genitais externos.
Epidemiologia e Etiologia
Órgãos Mais Comumente Afetados
Os rins são os órgãos do trato geniturinário mais frequentemente lesionados em traumas de causas externas. Isso ocorre devido à sua localização anatômica e ao papel essencial que desempenham na filtração do sangue e na produção de urina.
Mecanismos de Lesão
- Trauma Abdominal Fechado: As lesões renais ocorrem através da transmissão direta de energia cinética e forças de desaceleração, afetando principalmente os pontos de fixação dos rins, como a junção ureteropiélica e o hilo renal, onde pode haver lesão da íntima da artéria renal.
- Trauma Abdominal Penetrante: Feridas por arma de fogo são mais propensas a causar danos diretos aos rins do que feridas por arma branca, que, quando ocorrem na linha axilar anterior, podem atingir o hilo e o pedículo renal, mas não o parênquima.
Diagnóstico
Indicadores de Lesão
- Hematúria: É o melhor indicador de lesão dos órgãos do trato urinário no cenário de trauma, podendo ser avaliada mesmo com o teste rápido. No entanto, a gravidade da hematúria não prediz a gravidade do trauma renal.
Indicações de Tomografia
- Todos os traumas penetrantes.
- Trauma de desaceleração rápida de alto impacto.
- Trauma fechado com hematúria macroscópica.
- Trauma fechado com microhematúria e hipotensão.
- Pacientes pediátricos com hematúria microscópica.
Sinais Clínicos
Pacientes com sinais clínicos sugestivos de trauma renal, como dor em flanco, abrasões, fratura de costelas e abdome distendido com massa ou tensão abdominal, devem ser submetidos à tomografia.
Ultrassonografia FAST
O estudo FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma) é útil para identificar líquido livre na cavidade, indicando hemoperitôneo em pacientes com sinais de choque, mas não substitui a tomografia para avaliação de trauma renal.
Tratamento
Conduta Conservadora
- Trauma Abdominal Fechado: A terapia conservadora pode ser realizada em pacientes estáveis com lesões de grau 1 a 4, conforme a classificação da American Association for the Surgery of Trauma (AAST).
- Trauma Penetrante do Abdome: Lesões de baixo grau posteriores à linha axilar anterior podem ser tratadas conservadoramente em pacientes estáveis. Lesões de grau maior ou igual a 3 também podem ser acompanhadas rigorosamente.
Taxa de Falha e Complicações
A taxa de falha da terapia conservadora é de cerca de 10%, com a maioria dos casos necessitando apenas de stent endovascular ou angioembolização. As complicações são menores em comparação com a exploração cirúrgica, resultando em menor tempo de cuidados intensivos, menor taxa de transfusão e menor tempo de internação.
Intervenções Menores
- Cateter Duplo Jota (JJ): Implantado em casos de extravasamento urinário significativo.
- Drenagem Percutânea: Utilizada na persistência de coleções urinárias ou abscessos.
- Angioembolização Seletiva: Indicada para extravasamento sanguíneo ativo com formação de hematoma volumoso.
Indicações Absolutas de Intervenção Cirúrgica
- Instabilidade hemodinâmica sem resposta à expansão volêmica.
- Descoberta de hematoma perirrenal em expansão ou pulsátil durante laparotomia exploradora.
- Lesões de grau 5.
Laparotomia Exploradora
- Objetivo: Controle da hemorragia e salvamento do rim.
- Acesso: Laparotomia mediana.
- Técnicas* Desbridamento de tecidos não viáveis, fechamento do sistema coletor, rafia do parênquima e interposição de tecido fáscio-adiposo.
Lesões Ureterais
Causas Comuns
- Iatrogênicas: Representam 80% dos casos, principalmente em cirurgias abdominopélvicas ginecológicas.
- Trauma Abdominal Penetrante: Ferimentos por PAF.
- Trauma Abdominal Fechado: Lesões por desaceleração, geralmente no terço superior.
Princípios de Reparo
- Desbridamento de tecido necrótico.
- Espatulação de extremidades ureterais.
- Anastomose mucosa a mucosa com suturas absorvíveis.
- Stent JJ interno e dreno externo.
- Isolamento de lesão com peritônio ou omento.
Condutas Especiais
- Identificação Tardia: Derivação percutânea ou instalação de JJ, controle analgésico, sinais inflamatórios e prevenção de sepse; preparo para conduta definitiva em 6 semanas.
- Nervo Femoral: Pode ser lesionado durante a vesicopexia do Psoas hitch.
Lesões da Bexiga
Associação com Fraturas Pélvicas
- 90% das rupturas de bexiga estão associadas a fraturas pélvicas.
- 10% das fraturas pélvicas estão associadas a rupturas de bexiga.
Tipos de Ruptura
- Extraperitoneal: Comum em trauma abdominal fechado.
- Intraperitoneal: Mais comum em trauma penetrante ou trauma abdominal com bexiga cheia.
Diagnóstico e Tratamento
- Cistografia Retrógrada: Indicação absoluta após hematúria maciça em fratura pélvica.
- Tratamento Conservador: Cateterismo vesical de demora para rupturas extraperitoneais não complicadas.
- Laparotomia: Necessária em condições específicas como envolvimento do colo da bexiga e presença de fragmentos ósseos.
Lesões Uretrais
Causas e Segmentos Acometidos
- Mais Comum: Lesão iatrogênica pelo implante de cateter vesical.
- Trauma Contuso: Segmento bulbar da uretra anterior.
- Fratura Pélvica: Ruptura da uretra posterior.
Diagnóstico e Tratamento
-Uretrografia Retrógrada: Exame de escolha para avaliação de politraumatizados com sinais de fratura de bacia e uretrorragia.
- Tratamento Imediato: Cistostomia suprapúbica ou realinhamento primário com cateter de demora.
Fratura Peniana
Localização e Diagnóstico
- Mais Comum: Base do pênis em face ventrolateral.
- Diagnóstico: Clínico, com possível uso de ultrassonografia em casos de dúvida.
Tratamento
- Cirúrgico: Incisão vertical ventral ou incisão distal circular para desenluvamento peniano, irrigação, desbridamento e rafia.
- Circuncisão: Recomendada para evitar edema prepucial persistente em pacientes não postectomizados.
Amputação Peniana
- Epidemiologia: Mais comum na população psiquiátrica.
- Armazenamento do Coto: Irrigação com solução salina, enfaixamento em base úmida e armazenamento em saco plástico estéril refrigerado sem contato direto com gelo.
Anastomose
- Reanastomose Microvascular: Preferencial para estruturas neurovasculares dorsais.
- Uretroplastia: Realizada em duas camadas com derivação urinária por cistostomia.
Traumatismos Escrotais
Fratura Testicular
- Tratamento: Exploração cirúrgica, excisão de tecidos desvitalizados e reparo da túnica, com antibioticoterapia, analgesia e repouso.
Reconstrução Escrotal
- Implante do Testículo: Na face medial da raiz da coxa em caso de falta de pele para reconstrução escrotal.
Pontos Importantes
1. Os rins são os órgãos do trato geniturinário mais comumente lesionados em traumas.
2. A hematúria é o melhor indicador de lesão renal em traumas.
3. Trauma abdominal fechado com microhematúria em paciente hemodinamicamente estável não requer tomografia imediata.
4. Lesões renais de grau 1 a 4 podem ser tratadas conservadoramente em pacientes estáveis.
5. As lesões ureterais são frequentemente iatrogênicas, especialmente em cirurgias ginecológicas.
6. A cistografia retrógrada é essencial para o diagnóstico de ruptura vesical em pacientes com fratura pélvica e hematúria maciça.
7. Fratura peniana requer tratamento cirúrgico imediato para evitar complicações.
8. Lesões uretrais em fraturas pélvicas necessitam de avaliação com uretrografia retrógrada.
9. Tratamento conservador é eficaz na maioria dos casos de trauma renal não complicado.
10. Angioembolização seletiva pode ser necessária para controlar sangramentos ativos em traumas renais.
11. O reparo de lesões ureterais deve seguir princípios básicos de desbridamento, anastomose e uso de stents.
12. Rupturas intraperitoneais da bexiga geralmente requerem tratamento cirúrgico.
13. Trauma escrotal com fratura testicular necessita de exploração cirúrgica para preservar a função testicular.
14. Lesões iatrogênicas da uretra são comuns durante procedimentos endoscópicos e cirurgias ginecológicas.
15. A reanastomose microvascular é preferível em casos de amputação peniana.
Referências
1. Moore, E. E., Feliciano, D. V., & Mattox, K. L. (2012). Trauma. McGraw-Hill Education.
2. Wessells, H., & McAninch, J. W. (2017). Urologic Trauma. In A. J. Wein, L. R. Kavoussi, A. C. Novick, A. W. Partin, & C. A. Peters (Eds.), Campbell-Walsh Urology (11th ed.). Elsevier.
3. American Urological Association (AUA). (2019). Urotrauma Guidelines. Retrieved from https://www.auanet.org/guidelines/urotrauma
4. American College of Radiology (ACR). (2021). ACR Appropriateness Criteria® - Renal Trauma. Retrieved from https://www.acr.org/Clinical-Resources/ACR-Appropriateness-Criteria/Renal-Trauma
5. European Association of Urology (EAU). (2021). EAU Guidelines on Urological Trauma. Retrieved from https://uroweb.org/guideline/urological-trauma
6. Stamatakos, M., Sargedi, C., Stefanaki, C., Safioleas, C., & Safioleas, M. (2013). Conservative management of blunt renal trauma. Annals of Translational Medicine, 1(2), 16.
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