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O quão perto estamos da detecção precoce universal do câncer?


Dra. Sheena Meredith


Há um grande entusiasmo em torno das perspectivas do teste de detecção precoce de vários tipos de câncer (MCED, do inglês Multicancer Early Detection [Testing]) — um único exame de sangue para detectar marcadores oncológicos antes mesmo do aparecimento dos sintomas. Embora isso represente um potencial avanço significativo na medicina, alguns especialistas advertem que ainda não atingimos esse ponto e alertam para as dificuldades associadas a uma possível implantação mais ampla. Assim, será que esses exames realmente correspondem às expectativas?

 

Algumas controvérsias


Muitos MCEDs são vendidos diretamente aos consumidores e estão sendo avaliados pelo National Health System do Reino Unido. O teste Galleri, desenvolvido pela Grail, que procura padrões alterados de metilação do DNA no sangue, é o mais avançado entre eles. Os resultados do estudo SYMPLIFY, realizado pela University of Oxford e publicado em julho passado, revelaram que o exame detectou sinal de câncer em 323 dos 5461 casos sintomáticos, dos quais 244 receberam diagnóstico de câncer, gerando um valor preditivo positivo de 75,5%, um valor preditivo negativo de 97,6%, sensibilidade de 66,3% e especificidade de 98,4%.

 

A sensibilidade aumentou com a progressão da idade e do estágio do câncer, de 24,2% no estágio I para 95,3% no estágio IV. Entre aqueles com câncer comprovado, a previsão do sítio de origem foi precisa em 85,2% dos casos.

 

Atualmente, o Galleri está sendo submetido a um teste piloto no National Health System com 140.000 voluntários sem sintomas nem sinais de câncer ao início do estudo. Os resultados devem ser divulgados ainda este ano. Tanto o teste quanto o estudo têm sido alvos de controvérsias, com um artigo publicado no periódico The Lancet no início deste mês expressando preocupações sobre a baixa detecção de neoplasias em estágio inicial, altos números de falso-positivo, análise imprecisa da origem do câncer, necessidade de investigações de acompanhamento, altos custos e ganhos não comprovados em termos de mortalidade, bem como a existência de possíveis influências políticas sobre a escolha desse teste específico pelo National Health System em detrimento de outros.

 

O exame afirma detectar mais de 50 tipos de câncer, e a esperança é que detecte tipos de tumores difíceis de serem identificados precocemente — como o câncer de cabeça e pescoço, intestino, pulmão e pâncreas. Assim, seria possível evitar diagnósticos tardios, tipicamente associados a prognósticos desfavoráveis e tratamentos onerosos.

 

Os exames podem aumentar a ansiedade em indivíduos saudáveis que já estão preocupados


Os MCEDs não detectam muito bem a doença inicial, explicou o médico Dr. Karol Sikora, oncologista consultor e professor honorário de prática profissional da University of Buckingham Medical School, em entrevista ao Medscape. Embora sejam capazes de detectar o câncer avançado, são bem inespecíficos e podem dar resultados falso-positivos. "O verdadeiro problema de todas as detecções precoces de vários tipos de câncer é que deixa as pessoas preocupadas ainda mais preocupadas!"

Portanto, os resultados do estudo piloto podem ser decepcionantes.

 

"Os dados até o momento não mostram que o estudo seja realmente útil para as doenças em estágio I ou II, e muitas vezes não há como saber de onde vem o câncer", disse o Dr. Karol.

 

"O que um clínico geral deve fazer com alguém que recebeu um exame positivo, mas não apresenta sinais ou sintomas? O que devo fazer como oncologista se esses pacientes forem encaminhados para mim?"

 

Quem paga pelas investigações adicionais?


Os fabricantes não precisam comprovar o valor econômico para a saúde, apenas a capacidade de um exame em detectar câncer, ressaltou o médico. O National Health System deve assumir os custos de um exame de imagem de corpo inteiro e de uma série de marcadores tumorais, por precaução, quando as pessoas realizam um exame particular que não foi validado pelo NICE como sendo economicamente viável? "É um verdadeiro dilema", continuou o médico.

 

Se houver apenas uma vaga disponível para um exame de imagem, a alocação deve ser destinada a um paciente sintomático, talvez com hemoptise, ou a alguém que esteja completamente bem, mas tenha um resultado positivo no exame? “A prioridade deve ser dada àqueles com doença sintomática”.

 

“A pesquisa é fantástica”, disse o Dr. Karol. Mas “sua implementação como uma ferramenta de saúde pública, que é o que Galleri está tentando fazer, é muito precoce”. No entanto, em última análise, ele acha que esses exames podem melhorar as estatísticas desalentadoras de sobrevida do câncer no Reino Unido.

 

“Isso, é claro, é a política por trás da questão. O National Health System quer mostrar seu apoio, porque [acredita que isso] resolverá o problema”. No entanto, a solução não será eficaz a curto prazo. “Muito mais pessoas morrerão por causa do diagnóstico tardio, a menos que resolvamos isso aumentando a capacidade do diagnóstico convencional”.

 

Redução de custos clínicos do tratamento do câncer

O diagnóstico por meio de MCEDs também oferece a perspectiva tentadora de reduzir os custos clínicos do tratamento — estimados em 21 bilhões de libras esterlinas no Reino Unido em 2018. O professor Allan Hackshaw, diretor do Cancer Research UK e do University College London Cancer Trials Centre, disse ao Medscape: “Atualmente, o National Health System gasta uma quantia enorme em medicamentos contra o câncer e em radioterapias para o tratamento de tumores avançados”.

 

Esses medicamentos geralmente não são curativos, levando os pacientes a precisarem de várias sequências de intervenções, sendo a maioria com efeitos colaterais que prejudicam a qualidade de vida, frequentemente demandando medicamentos adicionais.

 

“O câncer em estágio inicial é mais fácil e mais barato de tratar”, disse Allan Hackshaw. Se os MCEDs levarem a uma redução notável do número de pessoas diagnosticadas com câncer em estágio tardio/avançado, isso deverá melhorar diretamente a sobrevida. “No âmbito populacional, uma redução de 15% a 20% das mortes por câncer seria uma grande conquista”, disse o Dr. Allan.

 

Os MCEDs também oferecem uma modalidade de rastreamento para tipos de câncer para os quais não existem exames eficazes — 70% a 75% de todas as mortes por câncer — e para os que são muito raros para rastrear em toda a população. O rastreamento atual de um único câncer é vantajoso economicamente apenas para o câncer de mama, pulmão, colorretal e cervical. Allan Hackshaw liderou um estudo de modelagem, publicado no periódico British Journal of Cancer em 2021, sugerindo que a proporção de verdadeiros positivos para falsos positivos caiu de 1:18 dos exames de rastreamento atuais para 1:1,6 com a versão anterior do Galleri. Além disso, o custo das investigações diagnósticas entre os pacientes cujo rastreamento foi positivo, por câncer detectado, foi reduzido de 10.452 libras esterlinas para 2.175 libras esterlinas com o MCED.

 

É provável que os testes de detecção precoce de vários tipos de câncer sejam econômicos, acredita Allan Hackshaw. São necessárias mais pesquisas, mas "parece provável que os exames de detecção precoce de vários tipos de câncer possam representar uma economia significativa."

 

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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